quinta-feira, 24 de abril de 2014

Lista de ex-extintos

Esta eu gostei: cientistas de sei lá onde estão empenhados em estudar uma maneira de desextinguir algumas espécies de animais, que estão extintas há milhares de anos, e trazê-las de volta ao nosso convívio planetário. Um dos focos principais do trabalho é o mamute, aquele bicho grande semelhante ao elefante, porém, peludo e com presas maiores, que a gente vê em filmes e desenhos.
Eu sou a favor da desextinção do mamute, especialmente porque, para isso, criou-se esse verbo novo, “desextinguir”, e sou fissurado em neologismos, no que, por sinal, me equiparo a Shakespeare (apenas na fissura, não na capacidade de criá-los, óbvio, ressalte-se bem e rápido, para evitar as pedradas certeiras da patrulha, que nessas horas costuma ter a mira afinadíssima). Mas já que vão desextinguir (ah, vou usar o novo verbo hoje até me lambuzar, e recém estou na metade do texto) o mamute e, depois, outros bichos dos quais temos saudades sem nunca termos conhecido (na minha lista de prioridades entrariam o tigre dente-de-sabre, o tiranossauro rex, o gliptodonte e, aproveitando o embalo, o monstro do Lago Ness), poderiam também, já que são cientistas e operam milagres, expandir os poderes da desextinção para outras áreas além da fauna pré-histórica, onde algumas ausências estão fazendo uma falta maior.
Na Língua Portuguesa, por exemplo, eu defendo que os cientistas procedam à desextinção (agora já transito com intimidade pelas flexões e formas do verbo, viram?) do trema, pois que ando cansado de comer linguiça sem trema. Linguiça sem trema é insossa. Era o trema quem dava tempero à linguiça e, confesso, aqui em casa, somos rebeldes e seguimos comendo é lingüiça mesmo, pois que aqui ela não foi extinta, não, apesar dos predadores da língua. E aproveitando a onda da desextinção, poderiam desextinguir o acento circunflexo do zoo, para que esses locais possam receber os mamutes desextinguidos na antiga forma zôo, que é como os mamutes estão habituados.

Ah, e é preciso estender a aplicação da desextinção também às ciências sociais e humanas. Vamos aproveitar o retorno dos mamutes aos zôos (que visitaremos comendo lingüiças), para desextinguir entre nós, humanos, conceitos como civilidade, cidadania, respeito, educação, tolerância, empatia, responsabilidade, probidade, essas coisinhas todas, extintas, parece, há muito mais tempo do que os mamutes, nas cavernas remotas da convivência social. Desextinções como essas urgem, a fim de evitar nossa própria extinção enquanto civilização.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 24 de abril de 2014)

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