quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Os riscos da soberba

Relacionamentos precisam ser constantemente cultivados, monitorados, acarinhados, para que perdurem e mantenham firme o laço que os sustenta. O desleixo em uma relação pode causar, a longo prazo, estragos semelhantes e tão graves quanto uma traição direta. A regra vale tanto para as relações interpessoais quanto para as institucionais. É preciso cuidar para não pisar na bola, pois a mágoa gerada por um descuido pode cobrar preços altos no futuro.
Barack Obama deve estar refletindo sobre isso, uma vez que a Casa Branca admitiu no início desta semana, por meio de um porta-voz, que os Estados Unidos erraram ao não enviar algum representante do alto escalão do governo para a passeata histórica que líderes de diversos países fizeram pelas ruas de Paris, na França, domingo à tarde, dando um recado contra o terrorismo internacional. Alemanha, Israel e vários outros países enviaram seus altos dignitários para prestar solidariedade aos franceses, representados ali também na passeata-monstro histórica por seu maior mandatário. Já os Estados Unidos se contentaram com a presença do embaixador norte-americano na França.
Contentaram a si e descontentaram geral, pois o aparente descaso norte-americano pegou mal junto ao tradicional aliado e parceiro francês. França e Estados Unidos cultivam uma parceria diplomática e estratégica há séculos. A França foi um dos mais importantes aliados das colônias americanas que se rebelaram contra o domínio inglês no século 18, movimento que resultou na independência dos EUA. Pouco depois, os Estados Unidos foram ativos apoiadores da Revolução Francesa que desbancou a monarquia e instituiu a república no país europeu, em 1789. Em reconhecimento pela amizade entre os dois povos, a França presenteou os EUA, em 1875, ano do centenário da independência norte-americana, com a Estátua da Liberdade.  Décadas mais tarde, forças aliadas capitaneadas pelos EUA invadiriam a Normandia em 1944, dando início à libertação da França do jugo nazista.

E, agora, Obama pisa na bola com os franceses, arranhando uma amizade de séculos, em um típico gesto de descuido derivado da soberba. Soberba, diga-se de passagem, é pecado capital. Exorcizemo-la sempre.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 14 de janeiro de 2015)

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