quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Olha a melancia!

A coisa me parece ser cíclica, sazonal. E é mesmo, afinal, melancia não dá todo o ano. Dá todos os anos, mas não ao longo do ano todo. Sendo assim, sempre que é chegada essa época do ano, em que suponho ser o tempo das melancias (só posso supor, porque não entendo nada de agricultura e de ciência hortifrutigranjeira), surge aqui pelo bairro a caminhonete do vendedor de melancias. Sei disso porque ele tem um alto-falante instalado (automóvel equipado com alto-falante se transforma em auto-falante, quem sabe?), por meio do qual proclama a oferta de seu produto aos sete ventos que ventam pelo bairro.
Devo supor, por meio dos exercícios de lógica (pelos quais sou amplamente conhecido entre aqueles que me olham de soslaio), que existe um amplo e generoso consumo de melancias aqui no meu bairro. Porque entra ano, sai ano, chega o tempo das melancias e, com ele, a caminhonete a circular pelas ruas do entorno, o dia inteiro, a proclamar pelo alto(auto)-falante: “Oooolha aaamelanciaaa! Me-laaaancia boaebarataaaa, meeeeee-lancia fresquinha!”. O proclame para um pouco, período em que, suponho de novo, algum vizinho melancieiro sai de casa para adquirir algumas unidades, e logo é retomado: “oooolha, ooolha, olhaaamelancia!”. E não se trata de proclame gravado, não. O vendedor de melancias faz tudo sozinho ali, na hora: dirige a caminhonete, proclama o proclame ao vivo, desvia dos cachorros e dos cavalos (há cavalos no meio da rua aqui no bairro onde moro), faz a venda, dá o troco, joga um pouco de conversa fora e vai fazendo a féria.
Nunca desci para comprar dele uma melancia. Temo que o elevador não seja tão ágil quanto o necessário para me colocar em frente à caminhonete no momento em que passa pela rua defronte ao prédio. Também não vou ficar o dia inteiro de tocaia lá embaixo, esperando. Até porque, confesso, não sou tão fissurado assim por melancia como parte da vizinhança daqui do bairro. O que me fascina é a arte do proclame, que permanece viva e ativa nesse entrar de século das virtualidades ubíquas.

Quer uma melancia? Escuta o proclame, sai de casa, tira o dinheirinho do bolso, captura a pesada fruta, leva para casa, mete na geladeira (elas sempre acabam cabendo), reúne a família e carneia a dita-cuja, para a alegria geral das gentes. Nada de virtualidades, nesse quesito. Impossível fazer download de melancia ou comprar via site, com cartão de crédito. Para “olhar a melancia” ainda é preciso agir como gente.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 25 de fevereiro de 2016)

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