“Chá?! Você quer tomar chá?!”,
perguntei estupefato ao meu afilhado de quase quatro anos de idade, tomado pelo
assombro que costuma preencher todo o ser de um dindo quando é pego de surpresa
pelas idiossincrasias (pois que eles já as têm) de um cidadãozinho de cerca um
metro de altura (será que ele tem um metro de altura?). Imaginava que ele iria
querer suco de morango, ou leite morno ou água mesmo (“fresquinha e sem gás”).
Nada disso; queria tomar chá.
“Onde foi que você aprendeu a
tomar chá?”, perguntei, ainda perplexo, começando a amornar a água na chaleira
e descendo da prateleira a caixa dos saquinhos de chá. “No copo”, respondeu
ele, de pronto, sem tirar os olhos do helicóptero que na mãozinha direita
preparava-se para se chocar no ar contra um Hot Wheels azul, suspenso pela
outra mão. Sim, caro dindo, aprendeu a tomar chá no copo. Não foi no prato, nem
no garfo, tampouco em uma panela. Aprendeu a tomar chá no copo, ora. Com meu
afilhado é assim: pergunta feita, resposta dada. Nada de tergiversações. Sejamos
objetivos, afinal, o tempo voa e é preciso ainda correr lá no terraço com os
tênis mais rápidos do mundo, pular no sofá, assistir desenho, rugir como tigre,
se esconder da dinda, debulhar Kinder Ovo, montar quebra-cabeças de dinossauro,
colorir um livrinho, ensinar a canção do robô e muito mais. Que venha o chá.
Mas já que o negócio é fazer e
responder perguntas, ele também as endereça ao dindo. “Dindo, como é teu
nome?”. Eu respondo, e acerto. “E como é o nome da dinda?”, prossegue ele.
Respondo e acerto de novo, haja vista a cabecinha dele que balança para cima e
para baixo, em sinal de aprovação. Estou
indo bem. “E do meu pai?”. Eu sei; acerto. “E da minha mãe?”. Também sei. Até
aqui, contabilizo 100% de aproveitamento. “E o meu nome?”, finaliza. Faço de
conta que penso um pouco. Emendo uma careta de quem puxa da memória. Ele ri. Mas
eu respondo e acerto. O chá está pronto. Ele cansou de me fazer a mesma bateria
de perguntas que passou a vida tendo de responder desde que se lembra existir. O
chá é de abacaxi com hortelã, que ele mesmo escolheu junto com a dinda horas
atrás, quando foram fazer compras no mercadinho do bairro.
Só que agora não quer mais chá.
“Dindo, vamos lá fora, que uma corrida já vai começar”, me puxa pela mão, conta
até três, mas sai correndo antes. Queima a largada e chega primeiro. Não
adianta. Ele sempre vence. Afinal, aprendeu a tomar chá no copo. Dindo que é
dindo está sempre atrasado...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 29 de fevereiro de 2016)
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