Vamos às revelações. Eu detesto
secar a louça. Lavar a louça eu até suporto. E quanto a guardar a louça seca,
isso eu na verdade curto, faço com prazer. Atenção, amigas psicólogas: eis aí algumas
pistas valiosas para a compreensão do funcionamento da psiquê de um cronista
mundano. Afinal, a essência das pessoas pode ser revelada por meio dos mais
prosaicos atos do cotidiano. A essência e também a individualidade de cada um. Mas
a equação descrita acima não é unânime entre as gentes. Senão, vejamos.
Mesmo que não haja em toda a
obra de Freud um capítulo dedicado à relação entre o inconsciente e a posição
de cada um frente às etapas do processo de lavagem da louça suja, acredito que
o tema mereça ser analisado com atenção, na promessa de oferecer revelações valiosas
para a compreensão da alma humana. Pelo menos, da alma da parcela da humanidade
que precisa arregaçar as mangas, molhar a barriga frente à pia e administrar
louça suja, louça molhada e louça seca. Faço parte dessa parcela, daí, meu
interesse sobre o fenômeno louçal, como já puderam perceber sem subliminariedades
o atento leitor e a atilada leitora.
As nuances de cada um vêm à tona
quando se aplica o questionário sobre a louça às outras pessoas e as diferenças
se empilham. Diferentemente de mim, por exemplo, a senhora minha esposa
respondeu assim ao questionário: lavar a louça ela gosta (já eu, apenas suporto);
secar, ela suporta (eu odeio com paixão) e guardar, ela odeia (eu gosto,
aprecio, faço questão). Ou seja, não possuímos nenhum ponto de convergência no
quesito da louça. Fui adiante. Apliquei o questionário a várias pessoas de
minhas relações e obtive os mais diversos espectros de combinações de
respostas. Concluí que, também nesse aspecto da vida, cada um é cada um, não há
fórmula precisa que enquadre as gentes nos gostares das coisas, nem mesmo no
ato de solucionar a louça doméstica.
Caso essa despretensiosa crônica
venha a servir de gatilho para o início de aprofundados estudos acadêmicos e
científicos sobre o assunto, a partir da participação de voluntários em
pesquisas de laboratório plenamente monitoradas (ratos brancos lavam louça?),
talvez se possa descobrir, no futuro, surpresas na relação direta entre
temperamento e louça. “Pessoas mais introspectivas preferem secar a louça;
proativos gostam mais de lavar; indecisos crônicos optam pelo meio-termo da
guardança da louça seca”, coisas do gênero. Mas vamos terminando por aqui. Uma
pilha de louça me espera na cozinha. Suja, molhada ou seca? Ah, prefiro deixar
o mistério...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 31 de março de 2016)
Nenhum comentário:
Postar um comentário