Acordei no meio da madrugada com a nítida sensação de que
havia algo ou alguém no quarto, além de mim mesmo e de minha esposa, que dormia
profundamente. Nesses tempos de insegurança e violência, é uma sensação
arrepiante. Nem de longe pensei em fantasmas ou seres de outro mundo, pois meu
pavor surgia a partir da possibilidade de ter de enfrentar ali a invasão de
algum ser deste mundo mesmo.
Tempos atrás, imaginaria tratar-se de meu gato que,
cansado de dormir sozinho no sofá da sala, costumava vir ocupar seu devido
lugar embaixo das cobertas junto a meus pés, a esquentá-los, pelo que sempre
fora bem-vindo. Mas há anos o gato partiu para o céu dos gatitos e meus pés
adormecem gelados, exceto nas vezes em que a esposa vira para o lado de cá,
verdade. Não se tratava, portanto, do finado gato, tampouco da visita de sua
alma felinada. Era alguma outra coisa, e eu precisava descobrir o que. Nessas horas,
o medo imobiliza, mas aguça os sentidos de forma excepcional, especialmente a
audição. Imobilizei-me na cama e me pus a ouvir.
Pic...pic... pic... Passinhos curtos em volta da cama.
Passinhos de coisa pequena. Um anão assaltante? Difícil. Mas, se fosse, talvez
eu levasse vantagem sobre ele em um ataque surpresa, com meu um metro e oitenta
e um de altura e 85 quilos (cinco em excesso, confesso) de peso. Tenho
assistido a combates de luta greco-romana nessas Olimpíadas. Saberia como
fazer. Pic... pic... pic... Agucei as orelhas... O intruso se afastava
lentamente da cama em direção ao roupeiro. Era agora ou nunca, precisava agir.
Dei um salto na cama, acendi a luz e dei um grito de advertência: ráurgh!
“Que é isso, marido?”, gritou assustada a esposa, num pulo
na cama, ao mesmo tempo em que eu ainda flagrava os olhinhos arregalados do
Pokémon imobilizado ali, flagrado junto à porta do armário dos calçados.
“Alhalá, alhalá, um Pokémon aqui no nosso quarto!”, esganicei, excitado e
embaralhado, arremessando uma pantufa contra o local em que via a aparição
amarelada. Blonc, fez a pantufa contra o
móvel. Blonc, fez também o peteleco que ela me deu na cabeça. “Dorme, você está
sonhando acordado”, disse ela. “Pode ser, mas não quero Pokémons aqui dentro de
casa”, resmunguei, desligando a luz e abraçando o travesseiro.
Na manhã seguinte, por via das dúvidas, dei uma geral em
todas as peças da casa: embaixo das camas, atrás das portas, dentro dos
armários... Não quero Pokémons aqui dentro. Nada contra eles, que parecem seres
dóceis e adoráveis. Mas eles atraem hordas de caçadores de Pokémons. Isso é o que
me apavora e tira o sono.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 17 de agosto de 2016)
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