quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Amarelado na madrugada

Acordei no meio da madrugada com a nítida sensação de que havia algo ou alguém no quarto, além de mim mesmo e de minha esposa, que dormia profundamente. Nesses tempos de insegurança e violência, é uma sensação arrepiante. Nem de longe pensei em fantasmas ou seres de outro mundo, pois meu pavor surgia a partir da possibilidade de ter de enfrentar ali a invasão de algum ser deste mundo mesmo.
Tempos atrás, imaginaria tratar-se de meu gato que, cansado de dormir sozinho no sofá da sala, costumava vir ocupar seu devido lugar embaixo das cobertas junto a meus pés, a esquentá-los, pelo que sempre fora bem-vindo. Mas há anos o gato partiu para o céu dos gatitos e meus pés adormecem gelados, exceto nas vezes em que a esposa vira para o lado de cá, verdade. Não se tratava, portanto, do finado gato, tampouco da visita de sua alma felinada. Era alguma outra coisa, e eu precisava descobrir o que. Nessas horas, o medo imobiliza, mas aguça os sentidos de forma excepcional, especialmente a audição. Imobilizei-me na cama e me pus a ouvir.
Pic...pic... pic... Passinhos curtos em volta da cama. Passinhos de coisa pequena. Um anão assaltante? Difícil. Mas, se fosse, talvez eu levasse vantagem sobre ele em um ataque surpresa, com meu um metro e oitenta e um de altura e 85 quilos (cinco em excesso, confesso) de peso. Tenho assistido a combates de luta greco-romana nessas Olimpíadas. Saberia como fazer. Pic... pic... pic... Agucei as orelhas... O intruso se afastava lentamente da cama em direção ao roupeiro. Era agora ou nunca, precisava agir. Dei um salto na cama, acendi a luz e dei um grito de advertência: ráurgh!
“Que é isso, marido?”, gritou assustada a esposa, num pulo na cama, ao mesmo tempo em que eu ainda flagrava os olhinhos arregalados do Pokémon imobilizado ali, flagrado junto à porta do armário dos calçados. “Alhalá, alhalá, um Pokémon aqui no nosso quarto!”, esganicei, excitado e embaralhado, arremessando uma pantufa contra o local em que via a aparição amarelada. Blonc,  fez a pantufa contra o móvel. Blonc, fez também o peteleco que ela me deu na cabeça. “Dorme, você está sonhando acordado”, disse ela. “Pode ser, mas não quero Pokémons aqui dentro de casa”, resmunguei, desligando a luz e abraçando o travesseiro.

Na manhã seguinte, por via das dúvidas, dei uma geral em todas as peças da casa: embaixo das camas, atrás das portas, dentro dos armários... Não quero Pokémons aqui dentro. Nada contra eles, que parecem seres dóceis e adoráveis. Mas eles atraem hordas de caçadores de Pokémons. Isso é o que me apavora e tira o sono.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 17 de agosto de 2016) 

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