quinta-feira, 4 de agosto de 2016

O valor de um porquinho

Nunca tive problemas em tomar injeções. Não tenho medo de agulha. Picadas não me assustam e nem tiram o meu sono (excetuando-se as de abelhas, vespas e congêneres). Exame de sangue, para mim, é procedimento banal semelhante a relaxar em poltrona de cinema (desde que não haja ninguém atrás chacoalhando o encosto com o joelho, gente tagarelando em volta, luzinha de celular acesa intermitentemente no assento ao lado e desde que o filme não seja a parte dezenove de “Invocação do Mal”, claro). Anestesia em cadeira de dentista? Sem problemas. Dispenso até o pré-anestésico em pastinha criado para anestesiar a gengiva contra a dor da picada da anestesia. Não precisa. Mete a agulha e vamos logo com isso. Há dores bem piores na vida do que agulhadas na carne, a madama concorda comigo, eu sei, está balançando a cabeça porque já sacou a metáfora da coisa, né madama?
Conheço gente que treme, empalidece, sua frio e bate o queixo só de pensar em ter de se submeter a algum procedimento em que uma agulha lhe trespasse a barreira natural da pele frente ao mundo exterior. Gentes das minhas relações (e não vou dizer quem, senão ela me mata) adotam imediatamente aquele olhar suplicante de cachorrinho acuado sempre que precisam se submeter a uma picadinha para tirar sangue em laboratório de análises clínicas. Adentram trêmulas as dependências dos laboratórios como se fossem gado no matadouro, prontas ao abate inegociável e cruel. Dizem as moças das clínicas (enfermeiras, auxiliares de enfermagem etc) que há quem desmaie de medo, ansiedade e tensão. Acredito. Só que, comigo, não. Sou destemido nesse quesito. Que orgulho!
Esse meu destemor deve ser oriundo das experiências de infância, quando era levado a tomar vacinas na Farmácia do Chico, lá na distante e saudosa Ijuí onde nasci, século passado. Acompanhava-me sempre, nessas incursões, um porquinho de pano que me era de estimação e o Chico (dono da farmácia e aplicador de injeções nas calipígias ijuienses) simulava primeiro vacinar o porquinho, que enfrentava a situação sem dar um pio (eu sei, madama, porcos não piam). Então, se no porquinho não doía, não doeria também em mim. A lógica era essa e crau a agulha no Marquinhos! Porquinho não vertia lágrima, Marquinhos também não. Mas que doía aquela coisa, ah, isso doía, madama, pois acho que o Chico não era lá muito jeitoso.

Passam-se já mais de quatro décadas dessas experiências ijuienses. Amanhã preciso tirar sangue para exames de rotina. Tudo muito bem, nem estou pensando nisso. Mas que fim terá levado aquele porquinho?
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 5 de agosto de 2016)

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