quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Pokémon, don´t go!

É surreal, admito. Mas, me diga você, madama: existe algo mais surreal do que a vida real? Pois é. Então: aquilo que narrei aqui ontem, do Pokémon a invadir meu quarto de madrugada, foi só o começo do pesadelo. Teve (e tem) mais. Narrar e compartilhar o drama é minha forma de purgar o problema, a senhora me desculpe, mas tenha paciência. E com Pokémons, madama, há de se ter muita paciência.
Engraçado é que essas coisas só acontecem quando estou sozinho em casa. À noite, minha esposa chega e não acredita em nada do que eu digo. Mas a senhora, madama, eu sei que sempre me dá um voto de confiança. Tudo começou no meio da tarde, dia desses. Estava eu no meu escritório caseiro (isso, “home office”, a senhora já sabe) quando escutei uns barulhos estranhos vindos de lá dos lados da cozinha. Levantei e fui ver. Pra quê! Deparei com três Pokémons saltitando em volta da mesa do jantar. Pronto, era o que eu temia: meu apartamento invadido por Pokémons! Dentro do armário da louça, mais barulhinhos. Abri e saltaram de lá mais quatro. Pelo corredor, adentraram outros tantos. Quando vi, a sala estava tomada por duas dezenas deles. Que fazer?
Não sei me comunicar com Pokémons, nada conheço de seus hábitos. Mas sei que eles têm algum tipo de relação com aparelhos celulares. Empunhei o meu e apontei para o bando. Funcionou. Ficaram como que hipnotizados olhando para o aparelho. Arrebanhei assim a turba e conduzi-a até o sofá da sala. “Sit down there”, falei em inglês, apontando para o sofá. Não sei se foram as palavras ou o meu tom imperativo seguido pelo gesto, mas funcionou. A Pokemonada toda se acotovelou no sofá, juntinhos e quietinhos. De repente, outro ruído dentro da máquina de lavar roupa. Abri o tampo e de lá saltou outro. “Go there, with your friends”, ordenei, e funcionou de novo (meu inglês básico parece servir, pelo menos, para me comunicar com Pokémons).
Agora, o que fazer com eles? Liguei a tevê, tentando encontrar os canais infantis (bastava lembrar daqueles que sintonizo quando recebo a visita do afilhado). Encontrei um que transmitia “A Casa do Mickey Mouse”. “Iiiikk!”, guincharam, em protesto. Claro: Mickey é vetado, eles não gostam de concorrência. Que fazer? Desliguei a tevê e passei a mão em um livro de Monteiro Lobato: “O Picapau Amarelo”. Comecei a ler em voz alta: “O Sítio de Dona Benta foi-se tornando famoso tanto no mundo de verdade quanto no chamado mundo de mentira”. Funcionou. Ficaram quietinhos, escutando. Oba, eu tinha plateia! “Pokémon, don´t go”! Agora, quero-os todos aqui. Vou botá-los a ler!
(Crônica publicada ano jornal Pioneiro em 18 de agosto de 2016)

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