É surreal, admito. Mas, me diga você, madama: existe algo
mais surreal do que a vida real? Pois é. Então: aquilo que narrei aqui ontem,
do Pokémon a invadir meu quarto de madrugada, foi só o começo do pesadelo. Teve
(e tem) mais. Narrar e compartilhar o drama é minha forma de purgar o problema,
a senhora me desculpe, mas tenha paciência. E com Pokémons, madama, há de se
ter muita paciência.
Engraçado é que essas coisas só acontecem quando estou
sozinho em casa. À noite, minha esposa chega e não acredita em nada do que eu
digo. Mas a senhora, madama, eu sei que sempre me dá um voto de confiança. Tudo
começou no meio da tarde, dia desses. Estava eu no meu escritório caseiro
(isso, “home office”, a senhora já sabe) quando escutei uns barulhos estranhos
vindos de lá dos lados da cozinha. Levantei e fui ver. Pra quê! Deparei com
três Pokémons saltitando em volta da mesa do jantar. Pronto, era o que eu temia:
meu apartamento invadido por Pokémons! Dentro do armário da louça, mais
barulhinhos. Abri e saltaram de lá mais quatro. Pelo corredor, adentraram
outros tantos. Quando vi, a sala estava tomada por duas dezenas deles. Que
fazer?
Não sei me comunicar com Pokémons, nada conheço de seus
hábitos. Mas sei que eles têm algum tipo de relação com aparelhos celulares.
Empunhei o meu e apontei para o bando. Funcionou. Ficaram como que hipnotizados
olhando para o aparelho. Arrebanhei assim a turba e conduzi-a até o sofá da
sala. “Sit down there”, falei em inglês, apontando para o sofá. Não sei se
foram as palavras ou o meu tom imperativo seguido pelo gesto, mas funcionou. A
Pokemonada toda se acotovelou no sofá, juntinhos e quietinhos. De repente,
outro ruído dentro da máquina de lavar roupa. Abri o tampo e de lá saltou
outro. “Go there, with your friends”, ordenei, e funcionou de novo (meu inglês
básico parece servir, pelo menos, para me comunicar com Pokémons).
Agora, o que fazer com eles? Liguei a tevê, tentando
encontrar os canais infantis (bastava lembrar daqueles que sintonizo quando
recebo a visita do afilhado). Encontrei um que transmitia “A Casa do Mickey
Mouse”. “Iiiikk!”, guincharam, em protesto. Claro: Mickey é vetado, eles não
gostam de concorrência. Que fazer? Desliguei a tevê e passei a mão em um livro
de Monteiro Lobato: “O Picapau Amarelo”. Comecei a ler em voz alta: “O Sítio de
Dona Benta foi-se tornando famoso tanto no mundo de verdade quanto no chamado
mundo de mentira”. Funcionou. Ficaram quietinhos, escutando. Oba, eu tinha
plateia! “Pokémon, don´t go”! Agora, quero-os todos aqui. Vou botá-los a ler!
(Crônica publicada ano jornal Pioneiro em 18 de agosto de 2016)
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