quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Chuchus e melões

Todo criador sabe que o segredo para o sucesso reside no exercício de um procedimento conhecido como “erro e acerto”. A gente até pode se convencer de que possui um talento para determinada atividade, mas essa habilidade só vai ser desenvolvida com a sucessão de tentativas de produção, quando os erros nos ensinam a aprimorar o trabalho, que vai sendo coroado com os posteriores acertos.
Beethoven não nasceu compondo sua Nona Sinfonia lá no berço, chacoalhando o chocalho. Não. Ele foi moldando seu talento com erros e acertos. Provavelmente, fez como todo mundo: escondeu os erros e exibiu os acertos, que é a dica que fica aqui de lambuja para quem quiser brincar de gênio. Van Gogh deve ter começado rabiscando uma folha em branco com lápis de cor e mostrando a obra para seu pai, que olhou estranhado e disse: “que que é isso, Vincent, uma tempestade de areia?”, quando, na verdade, o futuro gênio impressionista imaginava desenhar uma catedral gótica. Erros, acertos. Com eles, a gente chega lá.
Exemplo disso é a Natureza, que, por ser quem é, tem a primazia de não eliminar da face da Terra seus erros, permitindo que os comparemos aos acertos, a fim de comprovarmos a evolução de seu talento criador. Na questão gastronômica fica fácil observar isso. Primeiro, veio o insosso e pálido chuchu, sem gosto, sem personalidade. Para saborear um chuchu, precisamos agregá-lo a temperos e condimentos, caso contrário, teremos a sensação de estarmos a mastigar água. Mas depois veio a moranga, aquela abóbora alaranjada, saborosíssima quando refogada, misturada a um guisado ou mesmo pura. A moranga é a evolução do chuchu, assim como a melancia é o aprimoramento do melão.

Outra lição que a Natureza ensina é o perigo da soberba do gênio. Nem sempre o criador produz genialidades, e pode incorrer no risco da inversão do processo, partindo de acertos para produzir erros. A Natureza, que não esconde nada, deixa à mostra também seus equívocos. Primeiro, fez o macaco, selvagem e inocente. Mas daí foi involuindo, involuindo, até chegar aos melões e chuchus que hoje controlam o planeta. Pecado de gênio, pois não?
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 10 de dezembro de 2014)

Nenhum comentário: