quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Compromisso intransferível

O convite estava agendado há mais de mês e não havia a menor possibilidade de ser negligenciado. Chovesse canivetes, morresse o papa, revolução eclodisse, a cobra fumasse, corruptos se arrependessem, o sol congelasse, o sertão virasse mar ou o mar virasse sertão, só havia uma única alternativa: comparecer. Assim, comparecemos, minha esposa e eu, à apresentação de final de ano organizada pela escolinha maternal que nosso afilhado de dois anos e meio frequenta, no domingo que passou. Afinal, não basta ser dindo, tem de participar.
Meu afilhado foi fantasiado de leão, uma vez que esse é um personagem que ele encarna com perfeição no dia-a-dia, especialmente quando me vê e se põe a rugir exibindo a fileira de dentinhos de leite e franze o nariz como se fosse o focinho de um felino bravo e faminto. As mãozinhas em garras completam a performance, valorizada com o meu susto e minhas fugas tresloucadas.
Assistimos, então, à apresentação preparada pelas profes, reunindo a gurizada dos maternais, dos berçários e do jardim no palco, entre leões, homens-aranha, homens-de-ferro, princesas, brancas-de-neve, batmans e outros personagens, uns cantando direitinho a música ensaiada, outros batendo palmas, alguns olhando para trás, vários deles abanando para papais, mamães, dindos e titios na plateia, um que outro estaqueado feito estátua frente a tantos adultos sorridentes olhando para eles, tudo devidamente registrado em aparelhos celulares, máquinas fotográficas e tablets, para a posteridade.
Encerrada a parte oficial, partimos para o que realmente interessava: as crianças rumo aos brinquedos instalados no ginásio e os adultos rumo ao setor dos comes e bebes, onde o cachorro-quente e o algodão-doce estavam divinos. Difícil foi resistir ao convite insistente do afilhado, que queria me puxar para dentro de um cercadinho em que mal cabiam ele e um amiguinho, pulando alegremente sobre uma cama elástica. “Didu, enta!”, foi o convite. Óbvio que eu não cabia ali dentro, apesar da vontade. Mas valeu o presente de ter sido visto pela dupla como um igual, cuja companhia no brinquedo lhes seria bem-vinda. Foi uma honra.

 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 3 de dezembro de 2014)

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