segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Literalmente suspeito

“O fato de eu ser paranoico não significa que não possa haver alguém me perseguindo mesmo”, já dizia Argentino, um amigo meu que é muito paranoico. Admito que há certa lógica em seu raciocínio, apesar de distanciado da realidade. Ninguém nunca perseguiu Argentino, exceto os policiais que o detiveram dia desses no Parque dos Macaquinhos, a tempo de impedir que ele trouxesse para Caxias a onda dos peladões que invadiu nossa Capital pouco tempo atrás.
Tudo já devidamente amansado, fico aqui a refletir sobre os pontos de convergência que me permitem compreender essa sensação de crer estar sendo objeto dos olhares reprovadores e estranhados de todos ao redor, a ponto de sentir desconforto e surgir aquela percepção de que somos peixe fora da água. Sempre sinto isso quando circulo em público com um livro na mão. Viciado que sou nessa coisa estranha de ler livros, carrego-os comigo sempre que saio de casa e rumo a algum compromisso. Com exceção das aulas de natação, nas quais todos os meus membros ficam ocupados. Como, senhora? Não sabia que eu fazia natação? Não, senhora, não faço, justamente por esse impeditivo livresco. Sim, concordo, deveria, a senhora tem razão. Pensarei a respeito. Por ora, sigamos a crônica.
Como eu estava raciocinando, não preciso sair pelado pela aí para que fiquem me olhando de forma estranha, desconfiando de minha pessoa, de meus atos, de minha índole, de minha sanidade mental e de minhas intenções. Basta que eu circule com um livro e, pior, me bote a lê-lo em locais públicos. Na sala de espera da dentista, os colegas de espera me observam imaginando que errei de porta: “o psiquiatra fica ali ao lado, amigo”, é o que ouço de seus pensamentos. No shopping, enquanto a esposa perambula dilapidando minha fortuna, sento-me nos bancos e tenho a atenção desviada das páginas do livro para a presença dos vigilantes que se põem a me rondar, vigiando as ações desse estranhíssimo eu ali, com um livro, atitude das mais suspeitas.

O que argumentar no dia em que me abordarem? Que estou lendo? Melhor preparar desde já uma desculpa mais plausível, para evitar consequências constrangedoras...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 22 de dezembro de 2014)

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