quinta-feira, 29 de outubro de 2015

O amor e a cadeira

Que relação pode haver entre uma cadeira e o amor? Ou entre uma batedeira, o amor e o ódio? Ou, ainda, entre uma caneta, o calor e o amor? A princípio, nenhuma, apressar-se-á em sentenciar o leitor mais afoito, a leitora mais desavisada. Mas como, felizmente, sou um cronista mundano brindado com a atenção generosa de leitores nada afoitos e de leitoras avisadíssimas, não corre esta singela crônica o risco de ser mal interpretada e de ecoar suas mensagens no vazio. Nada disso. Extrairemos, sim, muito sumo desta pera, basta seguirmos adiante.
Qual, então, a relação entre os sentimentos acima elencados e objetos tão díspares como uma batedeira e uma cadeira e a sensação de calor? Ora, toda, todíssima, se abandonarmos por alguns instantes a tendência de avaliarmos o mundo a partir da lógica cerebral e cartesiana e abrirmos espaço para o domínio da imaginação e da poesia. Uma batedeira pode, sim, encontrar sentido e revelar simbologias mil ao se deparar com a sensação de amor ou de ódio, dentro dos versos de um poema que vai sendo moldado à luz de uma súbita inspiração ou de um desafio proposto por um escritor no auditório de uma escola aos estudantes que se debruçaram a esquadrinhar uma das obras de sua autoria.
Foi o que aconteceu este mês durante dois encontros que tive com os criativos, artísticos, dedicados e reflexivos alunos das turmas das sétimas e oitavas séries do Ensino Fundamental e dos primeiros, segundos e terceiros anos do Ensino Médio do Colégio Mutirão Objetivo, em Caxias do Sul, dentro do programa “Encontro com o Escritor”, desenvolvido ali pela responsável pela Biblioteca, Domingas Giacomin, e pelas professoras de diversas disciplinas. Depois de apreciar os trabalhos artísticos criados pelos alunos que leram e refletiram sobre um de meus livros, lancei às turmas o desafio de produzirem ali, ao vivo, algum poema a partir de palavras escolhidas em conjunto e ao acaso. Foi quando batedeira rimou com amor e cadeira desbancou o ódio, entre outras sacadas poéticas de qualidade e surpreendentes.

Porque a Poesia sempre pode existir desde que tenhamos olhos para vê-la, coração para senti-la, vontade para acolhê-la. E ela, em podendo agir, faz uma diferença enorme nas nossas vidas e no mundo que nos cerca. Isso aprendi com os alunos do Mutirão. E consegui até fazer crônica unindo cadeira e amor, conforme fui desafiado pelos alunos. Afinal, “tudo vale a pena, se...”, não é mesmo, Poeta?
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 29 de outubro de 2015)

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