segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Síndrome da criança grande

Alguma coisa acontece quando a gente vai ficando velho, e eu não sei explicar exatamente o que é. Sim, eu sei que o senhor e a senhora vão dizer que eu não descobri a América com essa afirmativa inicial da crônica, que realmente muitíssima coisa acontece com qualquer um que vai vendo os galhos de sua existência vergarem sob o peso dos anos acumulados e que isso não é privilégio meu coisíssima nenhuma. Esse “coisíssima nenhuma” ali nem o senhor, tampouco a senhora, irão empregar na admoestação dirigida a mim, eu sei, porque nenhum de vocês é deselegante a esse ponto, isso foi coisa do estilo claudicante desse que vos escreve mesmo, pelo que peço desculpas. Coisas de velho, mesmo.
Mas acontece que essa coisa que me acontece, sobre a qual quero comentar aqui, eu não sei se acontece da mesma maneira com todos aqueles que vão envelhecendo, daí meu espanto e a decisão unilateral (como sempre, por sinal) de transformar a questão em tema da crônica de hoje. Aí é que o senhor e a senhora entram na jogada, nesse momento em que se abre a possibilidade de saírem da condição de leitores passivos e transformarem-se em agentes ativos na construção conjunta (hoje estou generoso e democrático, reconheçam) desta crônica, quando são instados (“instados”, viram?) a elucidar ao mundano (e agora provecto) cronista a dúvida que tanto o atormenta.
Cabe aos senhores, portanto, me responderem: por que razão, em ficando eu cada vez mais velho, percebo que preciso passar longe da sessão das barraquinhas de livros infantis na Feira do Livro que rola na Praça desde a última sexta-feira? O que faz com que eu tenha despertado em mim o desejo de comprar quase todos os livros que ali se exibem aos olhos dos passantes, especialmente os chamados livros-brinquedos, esses que você abre e pula de dentro um castelo encantado armado em papel como se fosse um origami gigante e colorido? Ou aquele outro que traz junto bonequinhos de super-heróis, ou da aldeia dos Smurfs, ou das Tartarugas Ninja? Ou ainda aquele que explica tudo sobre dinossauros, permitindo que você simule uma escavação encontrando dentes e tíbias ao pé de vulcões fumegantes? Quero-os todos! E quero-os já, agora!

Ainda bem que minha esposa tem força na mão e me puxa... Para longe dali, rumo aos saldos das barracas adultas! E o mais desconcertante é que, sim, eu tive infância... Vai entender...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 5 de outubro de 2015)

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