quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Pegar pelo pescoço

Costuma ser batata! Estando eu de polegar enterrado no botão dos canais do controle-remoto da tevê, zapeando para cima, des-zapeando para baixo, vira e mexe eu estaciono no primeiro canal que esteja exibindo algum documentário sobre vida selvagem. Isso porque sou fissurado em bicho. Seja savana africana, Pantanal brasileiro, deserto do Saara, selva asiática, o que for, aparecendo bicho, eu travo e fico. É o que basta para logo ter a sala toda ela só para mim, a esposa debandando para o quarto assistir na tevê de lá a alguma outra coisa menos animal e eu me adonando de todo o território e do acesso mais rápido aos suprimentos de porcarias na geladeira e na despensa. Viro o rei leão da sala sem ter sequer de urrar.
Daí fico hipnotizado pelos anéis coloridos da cobra-coral, pela agilidade matreira do guepardo (que é bem diferente de leopardo), pela dança de acasalamento das avestruzes, pelas artimanhas das hienas, pela inteligência dos elefantes e dos golfinhos, pela ternura da mamãe-gorila com seus filhotes, pela organização coletiva dos cupins, pela fome canibal da fêmea do louva-a-deus, pela esquisitice do ornitorrinco, pela esquisitice maior ainda da equidna (que tenho certeza de que a amiga leitora sequer sabia que existia, ahá!), pelo colorido esdrúxulo do mandril, pela semelhança da ave kiwi com a fruta do mesmo nome (e que me diz dessa?), pela ferocidade do dingo, pela elegância do tigre-de-bengala (apesar da bengala), pela solidão da morsa, pela doçura do suricato (sou fã dos suricatos) e por mais, muito mais.

Noite dessas, de zapeada típica, descobri que as leoas, lá nas selvas africanas, detestam as girafas, porque elas são tidas como “as fofoqueiras das savanas”. Aquela coisa: a leoa está lá, barriga encostada no solo, olhos fixados na saborosa zebra que está dando mole logo adiante e, quando se prepara para dar o bote final que garantirá o jantar de toda a ninhada e do maridão (que não faz nada, por sinal), a girafa, pescoçuda e de olho em tudo o que se passa ao redor, dá o alerta com um grito e a zebra dá no pé. Ou melhor, nas patas, deixando a leoa a ver navios imaginários. E morrendo de raiva da girafa, querendo pegá-la pelo pescoço. Que coisa mais odienta essas girafas. Mas o mundo animal tem dessas coisas, fazer o quê.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 28 de outubro de 2015)

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