quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Sonho nababesco

Noite dessas, sonhei que era rico. Riquíssimo, segundo o que dava a entender o sonho. Não que estivesse pilotando iate e voando de jatinho particular, nada disso, porque em sonho, como sabem todos aqueles que sonham, as coisas não precisam ser explícitas para que você saiba o que está acontecendo. Sonho tem muito de sensação, e, pela sensação e pelo contexto do sonho de noite dessas, eu era, sim, rico. Riquíssimo. E daí? Ora, madame, siga lendo, que há, sim, um “e daí” aí.
Eu não gosto muito de narrar sonhos e também não gosto que me narrem os sonhos alheios, porque, sei lá, para mim, sonho é sonho, cada um com os seus, tanto os sonhados dormindo quanto os cultivados desperto, mas o sonho em questão, esse em que sonhei que era rico (riquíssimo), dá pano para crônica, então, a ele, e perdoem-me os leitores e também a madame, que eu sei que sempre me perdoa, valeu! Até porque, eu nunca sonho que sou rico, ao menos, não dormindo. Deve ter sido devido àquelas costeletas de porco assadas que comi no jantar. Também, nunca como costeletas de porco assadas no jantar. Assim, aplicando a lei da causalidade, chego à conclusão lógica de que a ingestão noturna de costeletas de porco assadas produz sonhos nababescos.
Bom, mas o sonho. Sonhei que eu, rico, participava ali no Vale dos Vinhedos de um seleto grupo de bilionários que estavam fazendo uma degustação de espumantes importados caríssimos, que só nós mesmos poderíamos pagar, orientada por um sommelier de gravata borboleta. Lá pelas tantas, no entanto, o sommelier arrancou de minhas mãos uma garrafa de um espumante raro, ainda mais caro que os demais, e foi levando lá para dentro, dizendo que aquela garrafa não, aquele espumante estava reservado para ser degustado amanhã, por um grupo composto por “ainda-mais-ricos”. Mas, como assim, “ainda-mais-ricos”? Eu não estava sonhando que era rico? Por que diabos haveria de haver em meu raro sonho de rico outros mais ricos do que eu? Por que não podia eu mesmo fazer parte do grupo dos “ainda-mais-ricos”, se o sonho era meu? Que droga de sonho tabajara era aquele? A crise anda tão terrível que até sonho de rico chega desvalorizado?
Indignado, acordei e pulei fora daquele grupo de ricos de segunda classe. Amanhã dobrarei o número de costeletas de porco assadas no jantar. Quero só ver. Aquele sommelier vai se ver comigo.

 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 21 de outubro de 2015)

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