quinta-feira, 26 de novembro de 2015

O passarinho do poeta

Rubem Braga (1913 – 1990), o escritor, era fissurado por sabiá, o passarinho. Em sua longa carreira como cronista, discorreu dezenas de vezes sobre essa ave que, pelo visto, o encantava pelo canto, pela forma, pelas atitudes. E o melhor de tudo: rendia-lhe temas para seu constante cronicar. Sua admiração pela avezinha era tamanha que batizou de Sabiá uma editora de livros que fundou em 1966 tendo como sócio outro mestre da escrita nacional, Fernando Sabino (1923 – 2004). A editora durou pouco, não mais do que seis anos, mas a paixão do cronista pelo pássaro perdurou ao longo de toda a sua existência.
Na verdade, analisando mais a fundo, poeta da alma como era, Rubem Braga nutria um encantamento amplo e democrático pelas aves em geral, em especial por passarinhos. O título de uma de suas mais afamadas coletâneas de crônicas é justamente “O Conde e o Passarinho” e é possível detectar uma diversidade enorme de vezes em que pássaros em geral – não somente sabiás – dão o tom de suas narrativas. Por saber detectar toda a poesia e o potencial lírico existentes nessas pequenas, delicadas e voadoras criaturas, Rubem Braga dispunha diante de si de um arsenal enorme de possibilidades temáticas para solucionar seu desafio perene de exercitar a arte da crônica mundana. Sorte dele, atraída pelo extremo e inigualável talento.
Já eu, aqui, separado do mestre pelo tempo e por quilômetros de doses de talento, preciso me virar nos trinta em busca de tema para desdobrar o mundanismo de meu compromisso cronical, sendo ele – o compromisso – o único elo existente entre Braga e eu. Deveria, para facilitar minha vida, adotar também eu um passarinho de minhas preferências, para ver se assim o jorro das ideias passa a fluir com mais limpidez pelas minhas searas. Quem sabe o canário? Não, não, canário não. Evocaria sempre a “Seleção Canarinho” e se tem coisa plena de falta de inspiração hoje em dia é o futebol da Seleção Brasileira. Então, o tico-tico? Não, também não, o nome do bichinho não ajuda para a evocação poética. A gralha? Não, nada poético. O bem-te-vi? Soaria falso, nunca mais os vi. A avestruz? O ganso? Opa, calma, são aves, mas não passarinhos.

Talvez o beija-flor! Tá aí, o beija-flor, que também atende pela delicada alcunha de colibri. Pronto, está eleito. Só falta agora descobrir como é que se tira poesia  disso. Acho melhor reler Rubem Braga.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 26 de novembro de 2015)

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