quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Sinfonia emplumada

Eu até então não havia me dado conta, mas resido em uma região da cidade habitada por muitos, mas muitos passarinhos. E eles são de espécies variadas, a julgar pela multiplicidade de pios que me chegam aos ouvidos. Convivem, pelo visto, muito bem com a diversidade reinante dentro de seu grupo, diferentemente de outros seres ditos até mais evoluídos do que eles. Ah, e também acordam cedo. Muito cedo.
Para ser mais exato, os passarinhos que residem no entorno de minha vizinhança são seres madrugadores. Acordam bem antes do nascer do sol e isso que, pelo que me consta, não possuem relógios e dão de asas para essa coisa de horário de verão. Eles seguem vivendo suas vidas regidos pelo horário “deveria” mesmo, e não pelo de verão, ou seja, acordam às cinco da manhã pelo horário de verão, mas deveria ser quatro. Quando eu disse que eram madrugadores, eu não estava brincando. Constatei isso madrugada dessas, e fiquei ouvindo-os e pensando, porque uma coisa que faz a gente enfileirar pensamentos suaves é quando raramente nos dedicamos a escutar a algazarra dos passarinhos, ao invés de deixarmos passar batido esse som tão típico da existência. Experimente.
Eram cinco da manhã pelo horário de verão (deveriam ser quatro) e acordei com a algazarra da passarada do lado de fora. Muita algazarra, proporcionada por cantos e piados sobrepostos, todos falando ao mesmo tempo. Imaginei que estivessem em um ponto de ônibus indo para o trabalho e colocando animadamente as conversas em dia. Chovera muito no dia anterior, mas agora o tempo firmava e isso parecia deixá-los redobradamente ativos (muito por fazer depois do recolhimento forçado pela chuva, suponho). Aquilo durou uns quinze minutos e depois foi amenizando, creio que com a passagem dos ônibus que os foram recolhendo em bandos. Às seis da manhã o silêncio absoluto já voltava a reinar e eu retomava minha última hora e meia de sono.

Isso até ser reacordado por um galo que se botou a anunciar a chegada do sol por volta de seis e meia. Constatei que nenhum dos passarinhos madrugadores precisa assinar os emplumados serviços de despertar fornecidos pelo dito galo tardio (para eles). Já eu, sim. Pulei da cama, escovei o bico e fui à luta, piar estas mal-digitadas, levemente tranquilizado por saber que, apesar de tudo, o mundo ainda reserva espaço para sabiás, pardais, tico-ticos, galos e afins. Deve haver um bom sinal nisso.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 12 de novembro de 2015)

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