terça-feira, 21 de outubro de 2014

A cada qual, sua maçã

Havia uma macieira no pomar existente nas terras de meu avô, em São Borja. Ela ficava em cima de um pequeno morrinho e proporcionava uma sombra muito convidativa para, recostado em seu tronco, aproveitar as horas pós-almoço, enquanto os adultos faziam a sesta digestiva, ficar ali sentado à sua sombra, sozinho e lendo livros do Monteiro Lobato.
Certo dia passou, vindo do nada, um desses fugazes e etéreos redemoinhos de vento, levantando do solo folhas secas e assustando as galinhas. O ventinho veio chacoalhando árvores e passou pelo meio da minha macieira, fazendo se despender dos galhos um de seus frutos que, antes de vir dar em terra, deu foi certeiro bem no meio da minha cabeça. Eu, que não me chamava (e sigo não me chamando) Isaac Newton, apenas exclamei “ui”, larguei o livro e cocei a cabeça enquanto observava a maçã rolar morrinho abaixo, indo parar aos pés de uma galinha, que se pôs a bicar o presente que lhe caíra dos céus.
Perdi a chance de, com o ocorrido, desvendar os segredos da lei da gravidade, o que era desnecessário que eu fizesse, pois Newton já o fizera séculos antes e, convenhamos, eu na época não era (e sigo não sendo) nenhum gênio. Maçã, para mim, era (e continua sendo) apenas maçã, feita para saborear, e não um fruto portador da semente da descoberta de uma lei da ciência. O máximo de abstração que já consegui (e sigo conseguindo) obter a partir da observação de uma maçã antes de devorá-la é imaginar o fruto, na época em que ainda era proibido, lá no Jardim do Éden, nas mãos de Eva a ofertá-la a um (ainda) inocente Adão, antes de acontecer tudo aquilo que sabemos que aconteceu e que acabou por nos condenar a esse mar de lágrimas aqui hoje.  E isso que, dizem alguns entendidos, nem era uma maçã o tal do fruto, mas na verdade ninguém pode afirmar nada, não houve testemunhas além da serpente e, essa, sabemos, não tem língua confiável.

Lembro disso nesse 21 de outubro, Dia da Maçã. Quem diria, um dia para celebrar a maçã. Minha avó, já falecida, não me fará seu delicioso e saudoso apfelstrudel. A mim, só me resta mesmo é tentar fazer uma crônica.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 21 de outubro de 2014)

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