sábado, 25 de outubro de 2014

Vida nova

Ontem desisti de uma leitura. Pela primeira vez em minha longa vida de leitor (quatro décadas lendo), abandonei o projeto de ler determinado livro após ter dado início ao fruir de suas páginas. Tomei a decisão de fechar o volume e devolvê-lo à prateleira ao chegar, penosamente, à página 50 e detectar ter pela frente ainda outras 400 a serem enfrentadas no mesmo ritmo, no mesmo tom, com as mesmas dificuldades, com o mesmo sofrimento e desprazer.
“Vamos parar por aqui”, disse eu ao livro, e paramos. Recoloquei-o na estante do corredor e retornei à sala me sentindo leve, levíssimo. Sentei-me na poltrona em que costumo me sentar à noite quando me ponho a ler livros e fiquei tentando identificar que espécie de sensação se apossava de mim após ter tomado essa decisão histórica em relação a meus hábitos de leitura, eu, que jamais abandonara a leitura de um livro. “Livro começado é livro terminado”, sempre fora meu lema, até ontem.
Temi ser invadido por uma profunda e inevitável sensação de frustração e de derrota. Mas não foi o que aconteceu. Senti-me liberto não apenas da obrigatoriedade autoimposta frente a uma leitura penosa, mas também em relação à necessidade de manter atitudes pessoais que julgava serem determinantes da persona que eu havia criado em mim. Descobri que eu não preciso mais provar para mim mesmo que sou um leitor, característica pessoal de que tanto me ufano. Ao menos, não preciso mais provar dessa forma, me obrigando a dar sequência a uma leitura que não me agrada. Dessa forma, rompi grilhões, quebrei correntes, entreabri uma porta que sempre estivera trancada, deixei entrar uma luz nova e promissora em meu caminho.

Em outras palavras, com esse simples gesto de fechar o livro e abandonar sua leitura, desatei um paradigma pessoal e permiti em mim uma renovação de postura. Não houve desamparo, mas, sim, paz e segurança para seguir em frente com uma postura nova e libertadora. Tudo isso a partir de um pequeno e prosaico gesto efetuado sem testemunhas, no interior de meu aquário. A renovação interna às vezes se revela a partir de pequeníssimas grandes coisas.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 25 de outubro de 2014)

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