quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Feijão filosófico

Até uns dias atrás, eu tinha a convicção de que o melhor momento para refletir sobre a vida, sobre o mundo, sobre as questões filosóficas primordiais da existência humana, era a hora do banho. Isso porque é comum eu me colocar a filosofar em silêncio enquanto a água do chuveiro vai lavando de meu corpo as impurezas do dia, como numa espécie de convite metafórico para que eu faça o mesmo com a impurezas psíquicas que poluem a parte intangível de meu ser.
Há tempos eu já havia desbancado o travesseiro na hora de dormir como o melhor interlocutor para essas elucubrações internas pessoais profundas e altamente transformadoras, em especial porque, nos últimos anos, com o avanço da idade, minha relação com a cama tem se dado no esquema pá-pum: deito e durmo. Não reflito nada. Não penso em nada. Sequer fico me revirando de um lado para o outro. Se me conduzo para a cama, é porque o sono já se apoderou de mim todo, tanto da parte corpórea quanto da etérea, e às vezes desconfio até de que já estou ferrado em sono profundo alguns passos antes de chegar na cama, o que é uma temeridade.
Só que, agora, descobri o poder de indução à reflexão existente no ato de escolher feijão. Muitíssimo melhor do que a hora do banho ou a do sono. O segredo para conseguir obter reflexões mais profundas e complexas reside em alguns fatores importantes, passando pela quantidade de feijão a ser escolhida (punhados maiores do grão espalhadas sobre a mesa proporcionam reflexões mais prolixas) e pela espécie de feijão a ser manipulada (o feijão azuki, menorzinho e mais entremeado de impurezas, permite permanecer por períodos mais longos refletindo, o que, por si só, deveria originar pensamentos melhor elaborados, no entanto, sempre é arriscado fornecer garantias nesse terreno movediço das reflexões íntimas).

Semana passada, escolhendo feijão azuki, obtive três reflexões seguidas (um recorde pessoal), sendo uma delas bastante profunda. Fiquei muito satisfeito comigo mesmo. É a prova de que feijão faz bem para o cérebro. Essa, aliás, foi uma das minhas brilhantes reflexões. Às vezes, me surpreendo comigo mesmo...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 15 de outubro de 2014)

Nenhum comentário: