quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Os javalis bandoleiros

Tenho ficado grilado com essas notícias sobre os javalis haverem se tornado uma praga descontrolada pelo interior do Estado. Por serem exóticos ao ecossistema e não terem predadores naturais, eles viraram uma ameaça ao ambiente nativo, a ponto de o próprio Ibama liberar o abate da bicharada que anda à solta e aos bandos pelas matas e fazendas gaúchas. Que coisa isso!
Na minha imaginação semeada pelas décadas de leituras, caçar javalis sempre foi uma atividade prosaica relacionada ao preparo de lautos banquetes em uma certa aldeia localizada na região da Normandia francesa, por volta de 50 antes de Cristo, a fim de encerrar com foice de ouro mais uma aventura dos gauleses mais famosos das histórias em quadrinhos. Asterix, Obelix, Ideiafix, Panoramix e Abracurcix não precisavam mais do que os próprios punhos para penetrar na mata e saírem de lá com alguns pares de javalis que refestelariam o jantar da tribo.
Só vim a conhecer o sabor da carne dos javalis que meus heróis da ficção consumiam anos mais tarde, já morando em Caxias do Sul, em meados da década de 1990. Foi por essa época que alguns criadores passaram a introduzir o javali em suas fazendas, imaginando estarem a abrir um novo filão de mercado. E de fato, instalou-se certa febre pela carne de javali pelo Estado. Restaurantes que serviam a iguaria exótica eram disputados e comíamos deliciosos javalis assados puros ou cozidos ao molho.
Mas depois aquela cisma foi passando, sabe como é: nós, a gauchada, até que não somos de muita frescura alimentar, a gente experimenta uns nacos de carne exótica e comemos, vá lá, um pedaço de javali, um veado campeiro, uma capivara, um coelho, essas coisas. Mesmo nas churrascarias, beliscamos o salsichão, o franguinho, tá, vai. Mas carne, índio veio, carne assim carne, mesmo, para lambuzar os bigodes e arrebentar a guaiaca, para nós, é e sempre será a de boi.
E foi assim que o javali foi saindo de fininho do cardápio, até se transformar nesse bandoleiro indômito que toca o terror pelo Estado. Diferentemente dos quadrinhos, na vida real não há poção mágica de druida gaulês a gerar solução fácil para o problema.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 1 de outubro de 2014)

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