sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Cores volantes

A minha memória jura de pés juntos e uma antiga fotografia não a deixa mentir: sim, de fato, meu avô possuía um garboso e elegante Galaxie verde. Mas não um verde qualquer: um verde-pérola, um verde diferente, único. O verde daquele Galaxie dele era o verde do Galaxie de meu avô, nenhum verde outro se comparava àquele. Assim também se dava com o azulaço que revestia o Maverick de meu pai. Que azul, aquele!
Depois veio o Opala, que apresentava uma cor assim meio amarelada, mas um amarelo fraquinho, aguado, quase creme, tipo essa cor que adquire o chantilly do cappuccino quando a gente mergulha a colher e mistura tudo, gerando na xícara uma sopa de chantilly e café. Isso, bem isso, esse amarelo aí que surgiu na sua mente. Era assim o amarelo do Opala. Uma família de amigos possuía um fusca alaranjado, um laranja-abóbora. Tão abóbora que um cavalo cravou-lhe certa vez os dentes, faminto que estava e iludido pela maravilha daquela abóbora redonda e gigante estacionada ali, do ladinho do potreiro dele. Nhac e pléim! Foi-se o capô do fusca junto com a dentadura do cavalo. Verdade! Minha memória afirma. Não, dessa vez, sem fotos; terão de acreditar em mim.
Bons tempos aqueles, em que o arco-íris gostava de passear pelas ruas das cidades e pelas estradas do interior derramando sua paleta de cores sobre os automóveis, trazendo alegria visual ao trânsito. Diferente dessa pobreza cromática que desfila hoje pelas avenidas, cruzamentos e esburacadas rodovias. Carro vai, carro vem, e o que vemos? Branco, preto, cinza, vermelho. Vermelho, branco, preto, preto, cinza, cinza, cinza, branco, preto. E só. Ali, de vez em quando, um verdinho desgarrado. E depois, branco, preto, vermelho, cinza. Isso sem falar que branco e preto, convenhamos, chamamos de cores por delicadeza, né! Que pobreza!

Por que será que o arco-íris fugiu das estradas? Será que as cores voltam no dia em que o trânsito amansar? Só pode ser isso: a violência do trânsito deve ter amarelado as cores. Ou, quem sabe, os carros brancos são os coloridos que branquearam de susto com a imprudência dos motoristas. Só pode, só pode...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 17 de outubro de 2014)

Nenhum comentário: