quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Bebê a bordo

É cada vez mais astronômica a distância que vai se abrindo entre o comportamento de cidadãos habitantes de mundos civilizados e pseudocidadãos habitantes de terras de ninguém. Exemplo disso aconteceu dia desses em um voo doméstico nos Estados Unidos. Deu na imprensa do mundo todo e foi noticiado por aqui também, porque um brasileiro a bordo presenciou o ocorrido.
Foi assim: um casal embarcou no avião levando junto sua filhinha, um bebezinho de oito meses de idade. Para surpresa dos passageiros ao redor, os pais do bebê distribuíram cerca de 40 kits contendo um par de tampões de ouvidos, balas e um bilhetinho. A mensagem dizia assim: “Olá. Sou uma menininha de oito meses e esse é meu primeiro voo! Normalmente sou um bebê feliz, mas gostaria de me desculpar com antecedência se eu ficar inquieta, assustada ou chateada porque meus ouvidos doem. Mamãe e papai estão fazendo o possível para me acalmar, e esperamos que esses doces e tampões de ouvido ajudem a tornar sua viagem comigo um pouco mais fácil. Tenha um bom voo!”.
Genial! Sim, genial e, além disso, muito fofo também, admito. Genial e fofo. Mas muito mais do que isso: civilizado. Muito civilizado. Inconcebivelmente civilizada a atitude dos pais da bebê, para os padrões bárbaros e trogloditas que regem a (in)convivência humana entre as gentes de lugares que vão sendo transformados em pré-históricos devido às más atitudes de seus habitantes.
Onde já se viu, dir-se-ia por outras plagas incultas, pensar nos outros? Onde já se viu se importar se desconhecidos vão ficar incomodados com o choro de nosso bebê a bordo? Ora, cada um que cuide de sua vida, não é isso o que se pensa nessas plagas medievais? Os outros? Os outros quem? Que outros? Existem eu e eu, não é assim? Somos sozinhos no mundo, nós, os incivilizados. Somos sozinhos nos aviões, nos restaurantes, nos cinemas, nas filas, no trânsito, na vida.

Ah sim, os outros. Lembramos deles quando queremos que façam algo por nós, não é mesmo? Pois é. E assim, o fosso vai aumentando, uma vez que não temos sequer um décimo da civilidade de um bebê de oito meses de idade.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 13 de novembro de 2014)

Nenhum comentário: