sábado, 29 de novembro de 2014

Ora, Papai Noel

Estava andando pelas ruas centrais da cidade manhã dessas e de repente recebi um encontrão de um Papai Noel apressado. Ele acotovelou-me nas costas, abrindo passagem entre o grupo de pessoas que aguardavam na esquina a abertura do sinal para pedestres, e foi-se reto rumo não à casa de alguma criança comportada que merecerá ganhar presentes, mas provavelmente em direção à loja ou ao shopping que o contratou para animar as vendas.
Mas a questão aqui é que ele não pediu desculpas. Quem esbarrou foi ele; quem recebeu o encontrão fui eu. E a matemática da vida em sociedade, nesses casos, tem uma equação bem clara: quem esbarra deve pedir desculpas a quem é esbarrado. Mesmo que o esbarrante seja o Papai Noel. A não ser que Papai Noel, Coelhinho da Páscoa, Bicho-Papão e a Cuca tenham imunidade que lhes absolve da necessidade de pedidos de desculpas. Ou talvez eles pensem que, uma vez que são celebridades perenes, a lógica deva atuar de forma invertida e o esbarrado pedir a eles desculpas pelo esbarro que eles próprios provocaram. Mas acho que não.
O fato é que isso comprova que muita coisa anda mudando e andando do avesso nesses dias de hoje. Primeiro, que Papai Noel não tem de ficar andando a pé e apressado pela cidade, mas o que fazer se, com esse trânsito caótico, precisou estacionar o carrinho com as renas várias quadras longe de seu objetivo? E hoje em dia também não importa mais se a criança se comportou e tirou notas boas no colégio. O comércio deseja vender, as pessoas querem consumir e a presentaiada forra tanto os sacos do Papai Noel que ele precisa empregar representantes diversos para dar conta do recado.

No meu tempo, criança que não se comportava recebia uma varinha de marmelo que Papai Noel colocava no topo do pinheirinho de Natal. Nunca era usada, mas funcionava como aviso. Hoje em dia, quem é que vai exigir bom comportamento das crianças se os adultos, que deveriam dar o exemplo, jogam lixo nas ruas, desobedecem às regras de trânsito, furam filas, sonegam impostos? E eu aqui, me impressionando com um pobre e apressado Papai Noel esbarrante...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 29 de novembro de 2014)

Nenhum comentário: