quarta-feira, 29 de junho de 2016

A sombra pela alma; topas?

É preciso ter cuidado, pois o diabo está sempre à espreita, especialmente nas melhores páginas da literatura universal. Sempre disposto a tentar, pronto para surrupiar para si o que nós, seres humanos, temos de mais valioso - nossa própria alma - , em troca de bugigangas que, do alto de nossa vaidade e cegueira, imaginamos ser mais importantes do que ela (imortalidade, juventude eterna, riquezas, fama, poder, razão absoluta e xiita etc). Deu-se mal assim, por exemplo, o Fausto de Goethe (1749 – 1832), na obra homônima, e também o personagem Adrian Leverkühn, de Thomas Mann (1875 – 1955), no romance “Doutor Fausto”, para citar somente dois (ambos escritores alemães, mas a lista de exemplo se estenderia por diversas nacionalidades).
Dias atrás, caiu-me nas mãos o trabalho de outro escritor alemão que se debruçou sobre o tema, com a mesma genialidade que os já citados. Este, porém, pouco conhecido entre os leitores brasileiros, mas, ao que tudo indica, popular entre os europeus, tendo encantando, inclusive, o próprio Thomas Mann, que assina o posfácio da edição que ganhei de presente de uma madrinha. Trata-se de “A história maravilhosa de Peter Schlemihl”, de autoria de Adelbert von Chamisso (1781 – 1838), editado pela primeira vez na Alemanha em 1813. Desde que veio a público, o texto fascina e intriga devido às alegorias que apresenta e às reflexões que induz o leitor a fazer.
A história, grosso modo, é a seguinte: o jovem Peter Schlemihl, em um evento social, é abordado por um estranho homem que lhe oferece uma sacolinha de onde é possível retirar, eterna e ilimitadamente, moedas de ouro, proporcionando riqueza infinita. Em troca, pede apenas que Peter lhe ceda sua sombra, com o que ele concorda. Ao botar a mão no milagroso saquinho de moedas de ouro, Peter observa com espanto o homem enrolar sua sombra como se fosse um tapete, guardá-la no bolso e ir-se embora, prometendo procurá-lo dentro de um ano. A partir de então, Peter Schlemihl torna-se um homem sem sombra, causando estranheza, horror, medo e asco em todos os demais à sua volta, que passam a evitá-lo, apesar de sua riqueza.

Após um longo ano de desgostos devido à ausência de sua sombra, Schlemihl se encontra outra vez com o misterioso homem, que lhe propõe novo negócio: devolve-lhe a sombra (e, com ela, sua paz de espírito), desde que Peter lhe entregue a alma. O que Peter faz? Ora, leia o livro. E essa não é a questão. A questão é: o que você faria? Ah, o saquinho de ouro infinito? Sim, Peter poderia ficar com ele. Então? O que me diz?
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 29 de junho de 2016)

Nenhum comentário: