Eu tenho medo do mal. Começo a
crônica já antecipando a conclusão a que chegarei lá embaixo, a fim de poupar
tempo e fôlego ao atarefado leitor e à apressada leitora, uma vez que poucos têm
paciência e disposição para ficar desvendando entrelinhas. Lá vai, então, desde
já, a entrelinha desfraldada e a solução da interpretação do texto: o mundano cronista,
além de friorento, tem medo do mal. E não estou sozinho nisso, ao menos. Menos
mal (antecipo já também o trocadilho final, pelos mesmos motivos).
Agora, vamos ao recheio, para
quem tiver ânimo de seguir lendo, acompanhado por um cafezinho quente. Cheguei
à conclusão de que tenho medo do mal depois de muito refletir sobre o
inexplicável pavor que se apossa de mim sempre que assisto a filmes cujo mote
seja a possessão demoníaca. Basta entrarem em cena todos os ingredientes desse
tipo de clichê cinematográfico que eu gelo de terror: uma moça bonita
transfigurada, voz grossa, os olhos esbugalhados e injetados de sangue, a
vomitar gosmas verdes, descabelada, agressiva, cuspindo palavrões e insultos.
Se de repente ela voar de costas contra a parede e sair engatinhando pelo teto,
então, eu me enfio debaixo do sofá. Não gosto. Tenho medo.
Aliás, sequer assisto a essa
espécie de filme. Porque, mesmo sendo racional como sou, desacreditador de
possessões demoníacas na vida real, sabedor de que tudo aquilo não passa de
truques e efeitos especiais, eu simplesmente me ralo de medo. Dia desses, o
colunista de Zero Hora, David
Coimbra, escreveu crônica revelando sofrer do mesmíssimo pavor e da mesmíssima
incompreensão, uma vez que ele também se arvora um ser racional e também se
pela de medo diante de filmes de possessão demoníaca. Entro no assunto porque
viralizou na internet essa semana uma pegadinha que o SBT de Sílvio Santos fez
com algumas pessoas, a fim de divulgar a exibição do filme “Invocação do Mal
2”. Na pegadinha, candidatas respondem a um anúncio de jornal solicitando
cuidadora para uma pessoa doente e, por meio de efeitos especiais, simulam uma
possessão demoníaca, quase as matando de susto. Fosse eu, morria mesmo.
Não achei graça nas pegadinhas.
Não assistirei ao filme. E, caro Coimbra, acho que a explicação para nosso
pavor é essa mesmo: temos medo do mal, do verdadeiro mal, que, nesses filmes,
se apresenta de forma exagerada e inverossímil, mas serve para extrair, do
fundo de nossas racionalidades, a consciência de que ele habita, sim, a
essência humana e, na vida real, se manifesta de formas bem mais assustadoras
do que uma donzela possuída cuspindo sangue. Deve ser isso.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 10 de junho de 2016)
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