sexta-feira, 10 de junho de 2016

Bem pior do que nos filmes

Eu tenho medo do mal. Começo a crônica já antecipando a conclusão a que chegarei lá embaixo, a fim de poupar tempo e fôlego ao atarefado leitor e à apressada leitora, uma vez que poucos têm paciência e disposição para ficar desvendando entrelinhas. Lá vai, então, desde já, a entrelinha desfraldada e a solução da interpretação do texto: o mundano cronista, além de friorento, tem medo do mal. E não estou sozinho nisso, ao menos. Menos mal (antecipo já também o trocadilho final, pelos mesmos motivos).
Agora, vamos ao recheio, para quem tiver ânimo de seguir lendo, acompanhado por um cafezinho quente. Cheguei à conclusão de que tenho medo do mal depois de muito refletir sobre o inexplicável pavor que se apossa de mim sempre que assisto a filmes cujo mote seja a possessão demoníaca. Basta entrarem em cena todos os ingredientes desse tipo de clichê cinematográfico que eu gelo de terror: uma moça bonita transfigurada, voz grossa, os olhos esbugalhados e injetados de sangue, a vomitar gosmas verdes, descabelada, agressiva, cuspindo palavrões e insultos. Se de repente ela voar de costas contra a parede e sair engatinhando pelo teto, então, eu me enfio debaixo do sofá. Não gosto. Tenho medo.
Aliás, sequer assisto a essa espécie de filme. Porque, mesmo sendo racional como sou, desacreditador de possessões demoníacas na vida real, sabedor de que tudo aquilo não passa de truques e efeitos especiais, eu simplesmente me ralo de medo. Dia desses, o colunista de Zero Hora, David Coimbra, escreveu crônica revelando sofrer do mesmíssimo pavor e da mesmíssima incompreensão, uma vez que ele também se arvora um ser racional e também se pela de medo diante de filmes de possessão demoníaca. Entro no assunto porque viralizou na internet essa semana uma pegadinha que o SBT de Sílvio Santos fez com algumas pessoas, a fim de divulgar a exibição do filme “Invocação do Mal 2”. Na pegadinha, candidatas respondem a um anúncio de jornal solicitando cuidadora para uma pessoa doente e, por meio de efeitos especiais, simulam uma possessão demoníaca, quase as matando de susto. Fosse eu, morria mesmo.

Não achei graça nas pegadinhas. Não assistirei ao filme. E, caro Coimbra, acho que a explicação para nosso pavor é essa mesmo: temos medo do mal, do verdadeiro mal, que, nesses filmes, se apresenta de forma exagerada e inverossímil, mas serve para extrair, do fundo de nossas racionalidades, a consciência de que ele habita, sim, a essência humana e, na vida real, se manifesta de formas bem mais assustadoras do que uma donzela possuída cuspindo sangue. Deve ser isso.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 10 de junho de 2016)

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