quarta-feira, 22 de junho de 2016

Faca nas costas à sombra do vulcão

Recebi muitos cumprimentos por ter escrito ontem, aqui neste mundano espaço, a respeito do gesto social conhecido como “aperto de mãos”, por meio do qual demonstramos as intenções amistosas que temos ao nos aproximarmos de alguém. Os cumprimentos chegaram por e-mails, por curtidas nas redes sociais, por manifestações “in box” e por abordagens orais. Ninguém apertou minha mão por causa disso, por sinal, mas tudo bem, deixemos esse detalhe pra lá, não fiquei frustrado; sou mundano mas não sou volúvel.
Porém (sempre o “porém”, némesmo, madama minha?), agregado aos cumprimentos recebidos, chegaram também muitas manifestações em mesmo tom provenientes de madamas leitoras, de senhoras e senhorinhas leitoras, de moçoilas leitoras, de raparigas leitoras, de senhoritas leitoras e leitoras e mais leitoras. Todas elas afirmando reconhecerem a verdade do exposto na crônica (de que o aperto de mãos é um cumprimento ancestral, universal e praticado pela humanidade desde cavernosas eras), mas que elas, mulheres, via de regra, não o desdenham, porém, preferem adotar outras formas de cumprimento social, como o beijinho no rosto, ou os três beijinhos, o meio-abraço, essas coisas.
Ora, pois, aberto que sou à voz das ruas e, especialmente, das leitoras, pus-me a pensar. Mas como penso e logo desisto, resolvi aprofundar as pesquisas sobre o tema e eis que mais descubro sobre as origens do aperto de mão que, como vimos ontem, surgiu entre os povos primitivos para demonstrar a intenção amistosa e desarmada dos homens, pois que homens andavam armados com paus e pedras e tinham de largá-las se quisessem ser bem recebidos pelos outros, apresentando a mão livre. As mulheres, por sua vez, desde os primórdios menos belicosas do que os homens, não portavam armas, dedicando-se a outras atividades familiares, sociais e agregadoras em volta dos vulcões. Por isso, não precisavam oferecer as mãos abertas em sinal de desarme na hora do cumprimento, porque eram, em essência, mais confiáveis do que os homens. Por isso, no geral, cultivam até hoje essa ancestral preferência por outras formas de cumprimento.

Quase tudo tem explicação lá nos primórdios das eras, em torno das fogueiras acesas ao redor dos vulcões primitivos. Ugh sorridente, apertando a mão de Ogh. Agga preferindo trocar beijinhos nas faces de Igga. Ugh apertando a mão de Ogh, mas escondendo uma traiçoeira faca na cintura para apunhalá-lo logo depois, pelas costas, e roubar-lhe a paleta de mastodonte. Essas coisas humanas, que foram nascendo com a civilização, a senhora sabe. Tudo ali, em torno dos vulcões...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 22 de junho de 2016)

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