Alguns leitores ficaram um pouco
alvoroçados com a história que declinei en
passant ontem aqui neste espaço, abordando algumas peculiares
características de Uvanova, aquela simpática, acolhedora e pequena cidade de
colonização italiana encravada ao pé da Serra Gaúcha, banhada pelas barrentas
águas do Rio das Antas, vizinha de Tapariu, de Vila Faconda, de Nova Brócola e
de Cotiporã. Falava eu de como a morte dos cidadãos uvanovenses é acolhida pela
comunidade como evento social e de como isso representa a manutenção de um
valor humano esquecido pelas gentes das grandes cidades, expresso pela
capacidade de compreender e vivenciar a dor da perda sentida pelos próximos. Os
uvanovenses exercitam a empatia.
Mas, às vezes, exageram um
pouco, afinal, também são humanos, e é aí que surgem as histórias, como a daquela
senhora que mantém, em um caderninho, listas atualizadas de pessoas a serem
convidadas a velórios vindouros de alguns de seus parentes que, devido ao
avanço da idade e/ou ao assomo de doenças terminais, em breve estarão dados aos
braços do destino comum a todos os seres viventes e não escaparão de
protagonizarem esses eventos de despedida tristes, porém, necessários. Vamos chamá-la
de dona Ernestina, a fim de lhe resguardar o anonimato, apesar de que, em
Uvanova, não há quem não a conheça (aliás, não há uvanovense que não seja
conhecido por todos os demais uvanovenses, outra característica marcante da
cidade).
Dia desses, morreu o
segundo-primo de um concunhado da dona Ernestina. Ela não conhecia o falecido,
porém, condoeu-se com a perda e imediatamente fretou um micro-ônibus para levar
seus vizinhos até o enterro, que seria realizado em cidade distante, onde o
dito adefuntado residia, quando em vida. Problema é que nenhum dos vizinhos
atendeu à convocação. Um tinha de tratar os bois, outro precisava podar as
parreiras, outro prometera cravar uns palanques e fazer uma cerca. Ninguém,
enfim, foi, e dona Ernestina ficou uma arara. Ficou tão brava e sentida que, na
volta do enterro, apareceu de casa em casa, de vizinho em vizinho,
desconvidando por antecipação todos eles ao futuro velório de sua amada
mãezinha que já estava com 99 anos e muito fraquinha, coitadinha, desse inverno
não passaria.
Passada a raiva, revisitou-os um
a um e recolocou-os na lista, afinal, não poderia correr o risco de ver
esvaziar o futuro velório da mãe. Que segue, aliás, vivíssima e esbanjando
saúde, segundo os últimos informes recebidos de Uvanova. São assim as coisas
por lá. Pena que eu sempre tenha de voltar...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 14 de junho de 2016)
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