quinta-feira, 23 de junho de 2016

O dilema da quentura do sagu

Agora, cá entre nós, prestimosa leitora, honorabilíssimo leitor, convenhamos, francamente: onde já se viu, comer sagu quente? Sagu é coisa que se come fria! Sagu é sobremesa e sobremesas degustam-se frias, ou geladas. Basta aplicar a lógica do paralelismo, que consiste em substituir o termo em análise por outros semelhantes e observar a lógica existente na equação. Substitua sagu por sorvete, por exemplo. Sagu é sobremesa e sorvete também. Come-se sorvete quente? Hein? Pois é!
Insistamos um pouco no exercício proposto. Substitua agora sagu por Chico  balanceado. Ou por pudim. Ou por compota de pêssego. Já comeu alguma dessas sobremesas quente? Pavê de chocolate! Que tal pavê de chocolate quente, hein? Encararia? E salada de frutas? Você chega na lancheria da rodoviária, passa os olhos pelo balcão e depara ali com aquela taça colorida de salada de frutas. O que você faz? Aponta com o dedo e pede para o atendente meter aquilo no forno de micro-ondas antes de servi-lo a você? Aham! Sei. Vai nessa. Salada de frutas: sobremesa. Sobremesa: degusta-se fria. Inclusive sagu. E tenho escrito.
Mas vai dizer isso para a senhora minha esposa. Não tem jeito. Ela gosta de comer sagu é quente mesmo. Não só quente, mas quentíssimo. De preferência, ainda fumegando, ao sair da panela de cima do fogão. Fico só olhando. Senta ao meu lado no sofá com a tigela repleta daquela substância gelatinosa avermelhada, a fumacinha invadindo o ambiente da sala, a colher em uma das mãos e os olhinhos brilhando, me olhando de lado, repletos de prazer enquanto abocanha a primeira de uma sucessão de colheradas de sagu... quente! Fico só olhando. Olhando e pensando: “o que faz uma criatura preferir o sagu quente ao invés de deliciosamente geladinho, como eu”? E concluo que não tem explicação. Cada um com seus gostos. A mim, só me resta esperar algumas horas até que o sagu esfrie, para que chegue minha vez de saboreá-lo.

Isso se sobrar para mim até lá, claro. E isso se o sagu, ao longo do processo de esfriamento, não embolotar, como às vezes acontece. Porque eu quero comê-lo frio. Ou como-o frio ou não o como. E, na maioria das vezes, acabo ficando na vontade, porque foi devorado quente pela sanha saguzeira da esposa ou porque, ao final, embolotou. São coisas assim que fazem a gente ficar refletindo sobre o sentido da vida e os paralelismos que podem existir entre o viver e as condições climáticas das bolinhas de sagu. Deve haver alguma analogia. Haverei de descobrir, já que é o que se espera de um mundano cronista. Se descobrir, aviso. Até lá, o sagu haverá de ter esfriado.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 23 de junho de 2016)

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