“Desde minha fuga, era calando
minha revolta (tinha contundência o meu silêncio! tinha textura a minha raiva!)
que eu, a cada passo, me distanciava lá da fazenda, e se acaso distraído eu
perguntasse ‘para onde estamos indo?’ – não importava que eu, erguendo os
olhos, alcançasse paisagens muito novas, quem sabe menos ásperas, não importava
que eu, caminhando, me conduzisse para regiões cada vez mais afastadas, pois
haveria de ouvir claramente de meus anseios um juízo rígido, era um cascalho,
um osso rigoroso, desprovido de qualquer dúvida: ‘estamos indo sempre para
casa’”.
O trecho foi extraído das
páginas iniciais de um livro chamado “Lavoura Arcaica”, de autoria do escritor
paulista Raduan Nassar. A passagem não foi escolhida ao acaso. É uma das muitas
sublinhadas por mim em meu exemplar. Não fosse essa, poderia ser qualquer
outra, que o propósito de abrir esta crônica oferecendo ao leitor uma
degustação da qualidade literária do autor seria contemplado. Poderia mesmo
abrir o livro ao acaso e, em qualquer das outras páginas, deparar com passagens
do mesmo quilate. Poderia, ainda, fazer o mesmo com qualquer dos outros livros
de sua autoria: “Menina a Caminho” e “Um Copo de Cólera”, já que uma literatura
de alto nível transborda em suas linhas. Essa pequena tríade de reluzentes
pérolas literárias compõe toda a obra de Raduan Nassar, que não publica mais
desde 1997.
Mesmo tendo publicado tão pouco,
esse recluso paulista de 80 anos se configura em um dos melhores escritores
brasileiros vivos, uma vez que sua obra marcou o cenário literário nacional
desde o momento em que foram lançados, na década de 1970, seus dois primeiros
títulos, as novelas “Um Copo de Cólera” e “Lavoura Arcaica”. Os contos de
“Menina a Caminho” vieram à luz em 1997, quando tive o prazer de conhecer sua
vigorosa obra. E, desde então, o autor se recolheu, deixando para nós, leitores,
a tarefa (em nada ingrata) de revisitar indefinidamente as poucas páginas de
sua autoria.
Esta semana, o nome de Raduan
Nassar voltou à cena: na segunda-feira, foi anunciado como o vencedor do Prêmio
Camões de Literatura deste ano, um dos maiores reconhecimentos para autores de
língua portuguesa, sendo concedido pelos governos de Brasil e Portugal. A
organização desta 28ª edição do Prêmio Camões (que já laureou 12 autores
brasileiros, contando Nassar) anunciou o vencedor equiparando seu talento a nomes
consagrados da literatura brasileira como Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Reconhecimento
mais do que merecido. Vai que agora ele se anime e escreva mais um pouquinho
para a gente...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 2 de junho de 2016)
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