Uvanova, como já disse aqui
algumas vezes - mas sempre repito porque não é possível mensurar o alcance da
fama já atingida pelas crônicas referentes ao povoado -, é uma pequena cidade
de colonização italiana encravada na Serra Gaúcha às margens do Rio das Antas,
fazendo divisa, ao sul, com Vila Faconda; ao norte, com Tapariu; ao oeste com Cotiporã
e a leste com Nova Brócola. Visitar a cidade resulta em uma experiência
semelhante a pagar passagem de primeira em uma cápsula do tempo e ser
transportado para uma época e uma região em que antigos valores humanos ainda
são cultivados e regem as relações das pessoas no cotidiano. É assim que me
sinto sempre que respiro os ares de Uvanova, de quando em vez.
Em minhas observações
uvanovenses, tenho detectado, por exemplo, que o ato de morrer em Uvanova
reveste-se na condição de acontecimento social da mais alta importância. Morrer
é algo que, ali, não passa batido jamais e não se morre anonimamente, de jeito
nenhum. Ao longo de sua vida, o cidadão uvanovense até pode correr o risco de,
por alguma razão ou outra, ser ignorado por parte de seus concidadãos, ou por
não professar a mesma fé que a maioria, ou por não gostar de dançar nos bailes,
ou por não saber falar o dialeto local. Mas, no dia em que ele se botar a
morrer, jamais será ignorado pelos demais em sua condição de defunto. Assim são
as coisas em Uvanova.
Isso assim se dá por uma simples
razão: porque todos se conhecem em Uvanova. Ou, ao menos, conhecem alguém que
conheça intimamente o falecido em questão, sofrendo também com a sua perda, já
que os uvanovenses cultivam o dom (esquecido pelos povos das cidades grandes)
de serem solidários com a dor alheia. Todos os que morrem em Uvanova são
parentes de alguém, ou vizinhos, ou amigos. Isso ou, no mínimo, são parentes de
vizinhos, ou amigos de parentes ou vizinhos de amigos. Não tem como não haver
relação com o morto e sempre haverá uma forma de estabelecer com ele alguma
espécie de elo. Em Uvanova, não se morre só. Pode-se viver só, mas, ao menos,
ao morrer, o caixão não jazerá solitário ao longo do velório.
Alguns mantêm atualizadas as
listas de convidados para velórios vindouros (os seus próprios ou os de entes
queridos). E ai de quem ousar ausentar-se em estando vivo e sem oferecer
justificativa plausível. Essa é apenas uma das várias facetas pelas quais
costuma se manifestar a solidariedade humana que ainda respira nos corações dos
uvanovenses. Há outras, que vou descortinando por meio da observação. Pena que
eu sempre tenha de fazer a viagem de volta...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 13 de junho de 2016)
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