quinta-feira, 21 de abril de 2016

A hora e a vez de Diolinda

Nunca surgira, em meus textos, uma personagem chamada Diolinda. Por mais que já tenha escrito contos, poemas, romances e trens de crônicas, jamais, por página alguma entre essas de minha lavra, esgueirou-se Diolinda. A impressão que tenho é de que, a bem da verdade, ela sempre esteve por aí, rondando, porém, na moita, esperando o momento certo de se anunciar e exigir manifestação por entre meus dedos escreventes ao empunhar uma caneta contra folhas em branco ou ao pipocar as digitais sobre os teclados dos computadores. Um iceberg de paciência, essa Diolinda.
Paciência e esperança. Sim, esperança, porque, se é verdade que ela esteve à espreita desde os primórdios, então, precisou amparar-se firme na convicção que lhe proporcionava a esperança de que, mais dia, menos dia, haveria de surgir o momento certo de ela se manifestar. Foi assim que viu irem sendo preenchidas as páginas e as telas com o desfile de personagens que deram vida aos citados contos e romances e poemas e crônicas, sem que lhe aparecesse vez e oportunidade. Deu ela, assim, lugar ao corso de vários outros que não eram Diolinda, como Otto, Salarini, Irma, Clara, Stefan, Morgana, Dona Esmeraldina, Argentino, Blanco, Yoshima, Petrus, Beatriz e outros, muitos outros. Diolinda, nunca. Diolinda ficava à espera.
O que fez Diolinda esse tempo todo, todos esses anos? Tricotou? Não, que Diolinda não é dada às lides manuais, que eu sei. Leu? Ah, isso sim, leu muito, porque Diolinda é ser amigado dos livros. Pensou e refletiu? Por certo que sim, e nem poderia ser diferente, nessas condições. Há de ter pensado muito e de ter refletido bastante Diolinda no silêncio e na solidão de seu não-existir, já que, além de não ter sido privilegiada com o sopro da vida tangível, Diolinda ainda teve de amargar tanto tempo à espera de vir à luz enquanto ser de papel, o que, para o alcance de seus desejos, se configura na realização maior a que se vê destinada.

A partir de agora, então, Diolinda é, pois que passa, enfim, a existir como personagem. Venha, Diolinda, manifeste-se, então, que é chegada a sua vez. Como? O que há? Não quer? Prefere esperar mais um pouco? Talvez outro momento, mais apropriado, em que o mundo ao redor esteja menos confuso, estranho, sombrio, agressivo, conflagrado, triste? Tudo bem, Diolinda, é você quem sabe. Eu, de fato, não lhe posso oferecer um mar de rosas pelo lado de cá da existência, nem na física e nem na de papel. A coisa anda mesmo estranha. Até mais ver, Diolinda. Quem sabe, um dia...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 21 de abril de 2016)

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