Nunca surgira, em meus textos,
uma personagem chamada Diolinda. Por mais que já tenha escrito contos, poemas,
romances e trens de crônicas, jamais, por página alguma entre essas de minha
lavra, esgueirou-se Diolinda. A impressão que tenho é de que, a bem da verdade,
ela sempre esteve por aí, rondando, porém, na moita, esperando o momento certo
de se anunciar e exigir manifestação por entre meus dedos escreventes ao
empunhar uma caneta contra folhas em branco ou ao pipocar as digitais sobre os
teclados dos computadores. Um iceberg de paciência, essa Diolinda.
Paciência e esperança. Sim,
esperança, porque, se é verdade que ela esteve à espreita desde os primórdios,
então, precisou amparar-se firme na convicção que lhe proporcionava a esperança
de que, mais dia, menos dia, haveria de surgir o momento certo de ela se manifestar.
Foi assim que viu irem sendo preenchidas as páginas e as telas com o desfile de
personagens que deram vida aos citados contos e romances e poemas e crônicas, sem
que lhe aparecesse vez e oportunidade. Deu ela, assim, lugar ao corso de vários
outros que não eram Diolinda, como Otto, Salarini, Irma, Clara, Stefan,
Morgana, Dona Esmeraldina, Argentino, Blanco, Yoshima, Petrus, Beatriz e
outros, muitos outros. Diolinda, nunca. Diolinda ficava à espera.
O que fez Diolinda esse tempo
todo, todos esses anos? Tricotou? Não, que Diolinda não é dada às lides
manuais, que eu sei. Leu? Ah, isso sim, leu muito, porque Diolinda é ser
amigado dos livros. Pensou e refletiu? Por certo que sim, e nem poderia ser
diferente, nessas condições. Há de ter pensado muito e de ter refletido
bastante Diolinda no silêncio e na solidão de seu não-existir, já que, além de
não ter sido privilegiada com o sopro da vida tangível, Diolinda ainda teve de
amargar tanto tempo à espera de vir à luz enquanto ser de papel, o que, para o
alcance de seus desejos, se configura na realização maior a que se vê
destinada.
A partir de agora, então,
Diolinda é, pois que passa, enfim, a existir como personagem. Venha, Diolinda,
manifeste-se, então, que é chegada a sua vez. Como? O que há? Não quer? Prefere
esperar mais um pouco? Talvez outro momento, mais apropriado, em que o mundo ao
redor esteja menos confuso, estranho, sombrio, agressivo, conflagrado, triste?
Tudo bem, Diolinda, é você quem sabe. Eu, de fato, não lhe posso oferecer um
mar de rosas pelo lado de cá da existência, nem na física e nem na de papel. A
coisa anda mesmo estranha. Até mais ver, Diolinda. Quem sabe, um dia...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 21 de abril de 2016)
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