terça-feira, 19 de abril de 2016

A questão é a chave

Somos, nós, seres humanos, movidos e motivados, muitas vezes, por impulsos e pulsões que nem mesmo nós conhecemos claramente. Essas forças psíquicas tanto nos fazem agir, tomar atitudes, quanto comandam nossas reações aos estímulos externos. E nem sempre elas têm nome, ou uma face reconhecível. Na maioria das vezes, na verdade, gostam de se manter quietinhas na sombra, ali, na moita do indecifrável jardim de nossas personalidades. Mas, mesmo que aparentemente discretas, elas estão ativas, positivamente operantes, quer queiramos ou não, quer as reconheçamos ou não. Daí as surpresas (e também os sustos) que às vezes temos frente a nós mesmos.
Exemplo disso pode vir quando nos questionamos (ou quando somos questionados) a respeito de quais as energias, ou sensações, ou sentimentos, que movimentam as mais poderosas forças de nosso ser? Em outras palavras, o que nos move? Da mesma forma, qual é o caminho para melhor atingir nossos corações? Qual a chave? Cada um tem uma, decorrente de sua própria personalidade, das experiências que vivenciou e da maneira como enfrentou e trabalhou essas experiências. Mas temos consciência disso? Ou seguimos agindo comandados pelo impulso inconsciente e ainda obscuro dessas motivações, sem sabermos nunca as razões pelas quais agimos de determinadas maneiras, nos aproximamos e nos afastamos de determinadas pessoas, fazemos certas coisas e deixamos de fazer outras, nos apaixonamos e desapaixonamos? O que somos? Quem somos? Por que somos assim? Ah, mistérios insondáveis da alma humana...
O escritor britânico Somerset Maugham (1874 – 1966) passeia pela questão em algumas linhas de seu romance “Servidão Humana”: “Não sei o que faz os outros amarem a gente, mas seja o que for, é a única coisa que importa e, quando ela não existe, não a podemos criar com bondade, generosidade ou coisa que o valha”. Ou seja, a força que desperta em alguém o sentimento de amor por nós é inescrutável e, se ela não existe no coração dessa pessoa por si mesma, não há o que se possa fazer deliberadamente para forçar seu surgimento. Machado de Assis (1839 – 1908) abordou o mesmo problema, de forma diversa, em seu conto “A Chave”, em que o enamorado Luís Bastinhos salva a linda Marcelina de um afogamento, mas isso não basta para abrir as portas do coração dela a ele. Só mais tarde, ao mostrar-se um exímio dançarino em um baile, é que o coração dela o acolhe. Conclui o autor: “a verdadeira chave do coração de Marcelina não era a gratidão, mas a coreografia”.

Pois, então, eis a questão: qual é a chave do seu coração?
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 19 de abril de 2016)

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