Dizem que a palavra “saudade” só
existe na língua portuguesa. Não sei se é verdade, pois que pouco conheço das
línguas do mundo, mal arranho o inglês e pratico o portunhol com uma destreza manca.
Em inglês, o termo que mais se aproxima daquilo que se pretende expressar por
“saudade” é o verbo “to miss”, ou seja, “sentir falta”. “I miss you”, que tanto
se escuta nos filmes, expressa algo como “sinto falta de você”. Certo, tudo
bem, até que passa a ideia da coisa, mas “sentir falta” não é exatamente o
mesmo do que sentir saudades.
Encasquetado, fui dar uma olhada
no que diz o meu exemplar do “Dicionário Etimológico”. Ao pescar o volume da
estante, percebi que andava com saudade de manuseá-lo. Folheei as páginas e
estacionei no verbete. Lá diz assim, a respeito de “saudade”: “lembrança
nostálgica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoas ou coisas distantes ou
extintas, acompanhada do desejo de tornar a vê-las ou possuí-las”. O Dicionário
Aurélio (que pesa como um gato gordo em meu colo sempre que a ele recorro, abrindo-o
sobre os joelhos) acrescenta ainda que “saudade” também pode ser compreendida
como “pesar pela ausência de alguém que nos é querido”. Mas gostei do conceito
de “lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo, suave”.
Gostei porque é mais ou menos
dessa maneira que sinto a saudade, quando ela me visita. E ela me visita com
certa frequência, uma vez que sou de conformação nostálgica. Chego a pensar que
há lógica na esperança (outra bela palavra, a também merecer futuras loas) de
que “saudade” exista somente na língua portuguesa, uma vez que rima com o mito
de que os portugueses seriam, em essência, um povo melancólico. A melancolia
talvez seja uma das casas da saudade, ou, ainda, uma das fábricas de onde ela emerge,
pronta para pedir assento no colo dos nostálgicos, onde dividem espaço com dicionários
e gatos.
Eu, que de nostalgia tenho muito,
mas que aprendi a domesticar minha melancolia, cultivo a saudade como um bem
precioso para a renovação e a manutenção da sanidade de minhas ilhas internas.
Chego a ter saudades do que não vivi, do que não vi, do que não ouvi e do que
deixei de dizer e de fazer. Tenho saudade até de quem não conheço. Para que
seja um sentimento sadio, se faz necessário não deixá-lo fundear âncora na
inércia e, ao contrário, fazer com que se transforme em combustível para a
renovação perene do entusiasmo pela vida. Afinal, é só com o acúmulo de vida e
de vivências que podemos incrementar a listagem das boas saudades. Falando
nisso, que saudade de comemorar um título do meu time...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 15 de abril de 2016)
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