sexta-feira, 15 de abril de 2016

Para ficar na saudade

Dizem que a palavra “saudade” só existe na língua portuguesa. Não sei se é verdade, pois que pouco conheço das línguas do mundo, mal arranho o inglês e pratico o portunhol com uma destreza manca. Em inglês, o termo que mais se aproxima daquilo que se pretende expressar por “saudade” é o verbo “to miss”, ou seja, “sentir falta”. “I miss you”, que tanto se escuta nos filmes, expressa algo como “sinto falta de você”. Certo, tudo bem, até que passa a ideia da coisa, mas “sentir falta” não é exatamente o mesmo do que sentir saudades.
Encasquetado, fui dar uma olhada no que diz o meu exemplar do “Dicionário Etimológico”. Ao pescar o volume da estante, percebi que andava com saudade de manuseá-lo. Folheei as páginas e estacionei no verbete. Lá diz assim, a respeito de “saudade”: “lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhada do desejo de tornar a vê-las ou possuí-las”. O Dicionário Aurélio (que pesa como um gato gordo em meu colo sempre que a ele recorro, abrindo-o sobre os joelhos) acrescenta ainda que “saudade” também pode ser compreendida como “pesar pela ausência de alguém que nos é querido”. Mas gostei do conceito de “lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo, suave”.
Gostei porque é mais ou menos dessa maneira que sinto a saudade, quando ela me visita. E ela me visita com certa frequência, uma vez que sou de conformação nostálgica. Chego a pensar que há lógica na esperança (outra bela palavra, a também merecer futuras loas) de que “saudade” exista somente na língua portuguesa, uma vez que rima com o mito de que os portugueses seriam, em essência, um povo melancólico. A melancolia talvez seja uma das casas da saudade, ou, ainda, uma das fábricas de onde ela emerge, pronta para pedir assento no colo dos nostálgicos, onde dividem espaço com dicionários e gatos.

Eu, que de nostalgia tenho muito, mas que aprendi a domesticar minha melancolia, cultivo a saudade como um bem precioso para a renovação e a manutenção da sanidade de minhas ilhas internas. Chego a ter saudades do que não vivi, do que não vi, do que não ouvi e do que deixei de dizer e de fazer. Tenho saudade até de quem não conheço. Para que seja um sentimento sadio, se faz necessário não deixá-lo fundear âncora na inércia e, ao contrário, fazer com que se transforme em combustível para a renovação perene do entusiasmo pela vida. Afinal, é só com o acúmulo de vida e de vivências que podemos incrementar a listagem das boas saudades. Falando nisso, que saudade de comemorar um título do meu time...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 15 de abril de 2016)

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