sexta-feira, 29 de abril de 2016

Pé na pantufa e mãos à luva

Este ano o frio não chegou, ele jogou-se de cabeça. Veio pra cima com tudo, como se fosse um lutador de MMA. Pulou para o ringue, partiu contra o oponente (nós, meros mortais) e o levou à lona com o primeiro golpe. Nocauteou a torto e a direito, sem dar tempo de sequer olhar em volta. Como chegou atrasado (quem dentre nós não andou reclamando que já era final de abril e o calor continuava, hein?), parece que arrebentou a porta determinado a tirar o atrasado em questão de minutos, e foi o que fez. Jogou os termômetros para baixo de zero em certas localidades, ensaiou neve já nas primeiras 48 horas, congelou orelhas e pontas de narizes e deu o tom para o início do coral das tosses. Eita!
Aqui em casa está o escambau. Até o final de semana, passeávamos tranquilos pelo terraço de chinelo-de-dedo, camisetinha de manga curta, cerveja gelando no refrigerador, palitos de geladinho no freezer para quando o afilhado vem visitar, janelas abertas para deixar correr um ventinho, essas coisas. Tudo isso, que foi ontem, agora parece já pertencer a um passado distante e saudoso. Ah, que saudades do verão! De uma hora para a outra, os cobertores precisam ser reencontrados em seus esconderijos secretos, os casacões e capotões retornam aos cabides, tira-se o pó de cima do aquecedor elétrico para que o banheiro seja climatizado durante o banho (até quando teremos de nos banhar completamente nus?), as pantufas seguem desaparecidas, o estoque de café precisa ser incrementado, os dedos endurecidos dificultam a escrita sobre o teclado.
Olho pela janela do escritório e identifico, ao longe, a fumacinha que escapa pela chaminé de uma casa, revelando a existência ali de um fogão a lenha em plena atividade, aconchegando uma família. Deve haver uma chaleira de água quente sibilando em cima da chapa, uma panela de feijão cozinhando longa e mansamente para a hora do almoço, a lenha alimentando constantemente o fogo, sob a responsabilidade de algum dos habitantes da casa. Mais ao longe, outra fumacinha sobe serpenteante rumo ao céu, agora azul. Azul de frio.

Vivemos em clima temperado e o retorno do frio nesta época do ano é efeméride cíclica, esperada, certeira. Não deveria nos espantar tanto, porém, gostamos de cultivar esse nosso potencial de nos surpreendermos com a mudança de clima, pois que, assim, mantemos viva em nós a chama do novo. É uma forma de acumularmos combustível para seguir em frente em todos os aspectos de nossas vidas. Vamos ao frio, então.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 29 de abril de 2016)

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