Que o mundo ao nosso redor anda
a cada dia que passa mais e mais materialista, isso é uma verdade indiscutível.
O ter se sobrepõe ao ser e as pessoas passam a ser seres que só agem em função
desse ter. Deixamos aos poucos de sermos seres para sermos teres. Ser para ter é
o lema da vida nas sociedades ocidentais modernas. E, na via inversa, é o ter
que determina o quanto se pode ser.
E não se trata só de ter bens
materiais, físicos, palpáveis, compráveis e vendíveis. Não. A fórmula do ter
para ser é mais abrangente e implica também obter poder para comandar, para
ostentar, para oprimir, para humilhar, para sobrepujar, para burlar as leis e
as regras incolumemente, para dar carteiraço, para poder aplicar o chavão “você
sabe com quem está falando”? A resposta que o sujeito espera quando profere
esse mantra selvagem é: “estou falando com quem pode”. Porque quem pode, pode,
né. Quem não pode, se sacode. Vivemos a era do ter para ser e do poder fazer
com que se sacudam ao nosso redor. “Tenho, logo, existo”. “Tenho”, aqui,
significa ter mais coisas do que os outros (e mais caras, mais lindas), ter
mais possibilidades do que os outros, ter mais poderes, ter mais admiração (a
admiração é um sentimento democrático e não-seletivo, basta ver que assassinos
psicopatas também conseguem ser admirados por seus pares), ter mais chance de
impor suas vontades e seus desejos sobre os demais, sobre a sociedade toda, se
for possível.
Até mesmo o saber, a busca
legítima por conhecimento e autodesenvolvimento, passa a ser perseguido como
meta para exercer poder pessoal sobre os demais. Almeja-se obter um olho na
terra dos cegos para entre eles virar rei. Não é o altruísmo e a vocação para
atuar pelo bem comum que movem a maioria das pessoas a ingressar nos cargos
públicos e a concorrer a postos eletivos, mas, sim, a chance escancarada de,
dessa maneira, “se arrumar” na vida. Exceções? Sim, existem. Pena que pregam
sozinhas no imensurável deserto de almas em que a sociedade se transforma em
todas as suas esferas.
Descobri que há algumas
filosofias orientais que têm como premissa a crença de que tudo é ilusório
nesse mundo, nessa existência. A matéria é ilusória, os seres, as coisas, nada
existe de fato. Vivemos presos a uma ilusão criada pelos sentidos, que detectam
apenas os efeitos da matéria. Daí a doença essencial da alma, que nos desvia da
verdade. Vou adotar essa filosofia, pois só assim para me convencer de que não
existem o Eduardo Cunha, nem o Jair Bolsonaro, nem o Tiririca, nem...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 28 de abril de 2016)
Nenhum comentário:
Postar um comentário