Chamava-se “Gato Preto” e
julgávamos o nome muito bem escolhido para uma cafeteria cujo carro-chefe era o
café expresso quentinho, recém-tirado, aromático e forte, bem como gostávamos. Localizava-se
no meio de uma galeria que tinha uma das entradas pelo Calçadão de Santa Maria,
cidade em que vivi meus anos de formação universitária e em que dei meus
primeiros passos como jornalista profissional, nas décadas de 1980 e 1990. Não
sei se o estabelecimento ainda existe. Poderia fazer uma busca Google para
descobrir, ou contatar algum amigo que mora na cidade e sanar a dúvida, porém,
para fins de tecelagem cronical, a manutenção da incerteza se impõe, pois que
me cheira mais poética.
Eu já era repórter novato do
jornal diário local e cumpria à tarde minhas trabalhosas pautas pelos bairros e
centro da cidade, prancheta em punho para as enquetes com os cidadãos, óculos
na cara, barba e cabelo. Muita barba e muito cabelo. E, também, muita vontade
de reportar. Reportava até o entardecer, colhendo depoimentos para as
reportagens especiais que redigiria ao findar da semana e, assim que a tarde ia
caindo, dirigia-me ao “Gato Preto”, a fim de lá aguardar a chegada de um grande
amigo que abandonara o curso de Letras e fazia cursinho pré-vestibular para
ingressar em Medicina. Ele vinha e já me encontrava a uma mesa no mezanino da
cafeteria, lendo e sorvendo a primeira de algumas das taças de expresso com
conhaque que naquele ambiente compartilhávamos, debatendo literatura, cinema,
conjuntura nacional e internacional e desconjunturas pessoais.
Não recordo de todos os livros
lidos à espera do amigo, tampouco dos detalhes dos temas com ele largamente
discutidos. Mas, ao evocar aqueles inesquecíveis momentos de consolidação de
uma amizade, minha memória recupera com exatidão o aroma e o sabor daquelas
taças de café expresso com conhaque. Com a mesma intensidade, recordo das
sensações gustativas do tradicional café com chantilly ao final dos almoços em
família em Ijuí, na adolescência. E das pausas para o café com fofoca com os
colegas de redação em todos os jornais em que trabalhei. Ao longo dos séculos,
o café vem se consolidando como um gatilho para a socialização em todas as suas
formas, bem como companhia para momentos de introspecção como este, ao bordar
esta crônica para ser publicada no Dia Mundial do Café. Erga uma taça e deixe a
memória afetiva levar-se a passear pelas sugestões de seu sabor e aroma.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 14 de abril de 2016)
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