quinta-feira, 14 de abril de 2016

Na hora do cafezinho

Chamava-se “Gato Preto” e julgávamos o nome muito bem escolhido para uma cafeteria cujo carro-chefe era o café expresso quentinho, recém-tirado, aromático e forte, bem como gostávamos. Localizava-se no meio de uma galeria que tinha uma das entradas pelo Calçadão de Santa Maria, cidade em que vivi meus anos de formação universitária e em que dei meus primeiros passos como jornalista profissional, nas décadas de 1980 e 1990. Não sei se o estabelecimento ainda existe. Poderia fazer uma busca Google para descobrir, ou contatar algum amigo que mora na cidade e sanar a dúvida, porém, para fins de tecelagem cronical, a manutenção da incerteza se impõe, pois que me cheira mais poética.
Eu já era repórter novato do jornal diário local e cumpria à tarde minhas trabalhosas pautas pelos bairros e centro da cidade, prancheta em punho para as enquetes com os cidadãos, óculos na cara, barba e cabelo. Muita barba e muito cabelo. E, também, muita vontade de reportar. Reportava até o entardecer, colhendo depoimentos para as reportagens especiais que redigiria ao findar da semana e, assim que a tarde ia caindo, dirigia-me ao “Gato Preto”, a fim de lá aguardar a chegada de um grande amigo que abandonara o curso de Letras e fazia cursinho pré-vestibular para ingressar em Medicina. Ele vinha e já me encontrava a uma mesa no mezanino da cafeteria, lendo e sorvendo a primeira de algumas das taças de expresso com conhaque que naquele ambiente compartilhávamos, debatendo literatura, cinema, conjuntura nacional e internacional e desconjunturas pessoais.

Não recordo de todos os livros lidos à espera do amigo, tampouco dos detalhes dos temas com ele largamente discutidos. Mas, ao evocar aqueles inesquecíveis momentos de consolidação de uma amizade, minha memória recupera com exatidão o aroma e o sabor daquelas taças de café expresso com conhaque. Com a mesma intensidade, recordo das sensações gustativas do tradicional café com chantilly ao final dos almoços em família em Ijuí, na adolescência. E das pausas para o café com fofoca com os colegas de redação em todos os jornais em que trabalhei. Ao longo dos séculos, o café vem se consolidando como um gatilho para a socialização em todas as suas formas, bem como companhia para momentos de introspecção como este, ao bordar esta crônica para ser publicada no Dia Mundial do Café. Erga uma taça e deixe a memória afetiva levar-se a passear pelas sugestões de seu sabor e aroma.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 14 de abril de 2016)

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